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Crise habitacional: é urgente um regime de médio prazo que estabilize preços

O limbo em que se encontram milhares de famílias, pequenos negócios e de resto todo o país, tem de ser estancado, só uma clara ajuda à estabilização o garantirá.

A 6 de abril de 2020 publicou-se a lei que respondia à necessidade de estabilidade no arrendamento habitacional e não habitacional no âmbito da pandemia COVID. Também os despejos foram suspensos e os contratos renovados automaticamente. Depois de um ano de pandemia este regime alterou-se 5 vezes em que a última foi em dezembro de 2020, antes do segundo confinamento. Neste momento o apoio ao pagamento das rendas tem tido muito pouca eficácia e as rendas e dívidas no caso habitacional já estão a pagamento desde o ano passado.

Esta realidade parece obliterar que passámos recentemente por um novo confinamento com maior perda de rendimentos e que temos vindo a assistir a notícias de aumento do desemprego e do subemprego. No arrendamento não habitacional a ameaça de despejo após junho assim como do aumento posterior das rendas tem sido uma faca aguçada na ténue esperança de retoma de cada pequena e média empresa.

As notícias dos valores das casas, pelo contrário, prosseguem o ritmo de crescimento. O Instituto Nacional de Estatísticas relata que no final de 2020 o preço das casas subiu dois dígitos em metade do país, com uma enorme expressividade na cidade do Porto 16,6% mais alto que em 2019. No Centro Histórico esse valor alcança os 23%. Num momento de estagnação económica, este crescimento está claramente desfasado do rendimento e da capacidade de consumo ou aquisição no país. Nenhuma liberdade de escolha aos consumidores, 0 eficiência do mercado.

Na mesma linha, os dados sobre o arrendamento indicam que os valores médios das rendas em Portugal custam dois terços do salário médio e aumentaram igualmente entre o fim do 2º semestre de 2019 e o de 2020.

Pensemos no concreto da vida: um agregado de uma mãe com uma filha que vivem em Lisboa necessita de um T2 que deve medir cerca de 85m2 e que segundo estes valores custa 857 euros. Imaginemos que a mãe ganha o tal salário médio que na capital é de 1098 euros. O valor da renda representa 66% do seu rendimento. É impossível viver assim.

Com a intensificação da pandemia este problema tende a agravar-se. O resultado desta situação será uma intensificação da crise habitacional e um adensar do encerramento de espaços comerciais e da crise económica. Urge, portanto, atuar com um regime de médio prazo que estabilize preços, que os aproxime aos rendimentos e que permita a manutenção dos espaços comerciais e habitacionais. É o que aqui vimos propor: um regime excecional de estabilização de três anos com as seguintes características:

1. Alargar a abrangência do apoio das rendas a beneficiários de apoios sociais - rendimentos abaixo do limiar de pobreza, apoios de quebra de atividade, entre outros. E no caso de espaços comerciais, para Empresários em Nome Individual, com trabalhadores ou não a cargo, e para quem tenha mantido a atividade económica, mas tenha mudado para um espaço mais barato e o contrato seja já posterior ao início da pandemia.

2. Prolongar as suspensões e apoios até final deste ano de 2021 com início do pagamento dos valores em dívida em 2022 e que se prolongue até 1 janeiro 2025.

3. Aliviar os valores em dívida para espaços habitacionais e comerciais com uma redução das dívidas na medida do acréscimo de especulação desde 2010. Essa redução proposta é de 20% tendo em conta o acumulado calculado ao valor de fevereiro de 2020;

4. Propor uma redução do valor das rendas nessa percentagem onde esta não tenha ocorrido e prolonga-se estes valores até janeiro de 2025;

5. Alterar o valor de referência do arrendamento até 2025 estabelecendo como renda máxima aquela admitida para apoio no âmbito do Porta 65 Jovem;

6. Desde que exista o pagamento dos valores das rendas nos seus devidos tempos, os contratos prolongam-se até 1 de janeiro de 2025;

Em 2018, ainda antes da crise, 33% da população não tinha capacidade económica para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada sem recorrer a empréstimos. A taxa de intensidade de pobreza era de 22,4% e a taxa de risco de pobreza de um agregado com crianças dependentes era de 33,9% no caso de agregado monoparental com pelo menos uma criança.

No fim de janeiro de 2021 tínhamos inscritas como desempregadas mais 100 mil pessoas que no mesmo mês do ano anterior, os pedidos de emprego eram quase 600 mil e tinham sido destruídos cerca de 75 mil empregos nesse mês.

O limbo em que se encontram milhares de famílias, pequenos negócios e de resto todo o país, tem de ser estancado, só uma clara ajuda à estabilização o garantirá.


Intervenção na Assembleia da República na apresentação do projeto do Bloco de Esquerda de um regime extraordinário de apoio à manutenção de habitação e espaços comerciais no período de mitigação e recuperação do SARS Cov-2

Sobre o/a autor(a)

Designer gráfica e ativista contra a precariedade. Dirigente nacional do Bloco de Esquerda
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