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Que resposta europeia à crise?
Mais de um ano após o início da pandemia, a resposta europeia à crise económica ainda não se traduziu em investimento concreto. Foi longo e difícil o processo negocial sobre a origem e o destino dos fundos a aplicar, concluído apenas no final de 2020, mas cedo se percebeu a larga distância entre o discurso - no qual se destacou a expressão “bazuca” como símbolo do “poder de fogo” do investimento - e a realidade dos factos, com a maior parte da verba a ser concedida na forma de empréstimos e mesmo a parte das subvenções a requererem reembolso, caso a União Europeia não chegue a acordo sobre a criação de novos impostos. O resultado é que a maior parte dos países parece apostada em não recorrer aos empréstimos que os faria aumentar a dívida e ficarem sujeitos às sanções futuras de Bruxelas. Nem o facto de a pandemia os colocar este ano e pelo menos no próximo em situação de incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (entretanto suspenso) demoveu a Comissão Europeia de começar a preparar o regresso das regras orçamentais de má memória.
No próximo dia 7 de Maio, a presidência portuguesa do Conselho de Ministros da União Europeia promove no Porto a Cimeira Social, com vista a dar um novo ímpeto ao Pilar dos Direitos Sociais aprovado em 2017, mas que desde então não teve progressos nem ambição ou metas concretas. Para contestar o que chama de “mais um momento de encenação”, o Bloco de Esquerda promove no Porto uma contra-cimeira a 6 e 7 de maio. A iniciativa vai juntar dirigentes políticos, sindicalistas e ativistas de vários países em vários debates sobre os caminhos alternativos para reforçar a proteção social, o trabalho com direitos, o investimento em políticas públicas e "uma saída para a crise que opere uma transição social, climática e feminista na Europa". Damos aqui a conhecer o texto de apresentação da iniciativa.
Neste dossier, entrevistamos o eurodeputado bloquista José Gusmão, que participou enquanto relator-sombra nas negociações do regulamento do Fundo de Recuperação europeu e afirma que de facto “não há incentivo para recorrer a estes empréstimos no contexto das atuais condições de financiamento do BCE”. Para José Gusmão, o centro da questão está nas regras orçamentais europeias que continuam a ser um entrave a políticas expansionistas na União Europeia. Por isso, avisa que “a austeridade pode estar mais próxima do que os líderes europeus têm admitido”.
Noutro artigo, o economista Francisco Louçã olha para a resposta sanitária e económica e conclui que “o perigo para a Europa são os governantes europeus”. A confusão em torno do processo conjunto de encomenda de vacinas fez atrasar todo o esforço de vacinação nos países europeus e a resposta económica prometida, quando estamos quase a meio do segundo ano da recessão, não chega a metade do que a Alemanha vai gastar no seu próprio programa. Para Louçã, “o stock de dívida no BCE é a principal bomba relógio na zona euro a médio prazo”, uma vez que se decidir vendê-la ou deixar de comprar boa parte das novas emissões, a consequência será a subida dos juros que irão atingir primeiro as economias periféricas e a Itália. “Seria jogar à roleta russa, mas na Comissão e no BCE há quem entenda que esse é o velho normal mais tranquilizante”, aponta Louçã.
Aqui ao lado, no Estado espanhol, o governo PSOE/Podemos espera aceder a 140 mil milhões do fundo de recuperação, mas tudo indica que ficará por resolver um dos grandes problemas estruturais com que o país se defronta: o seu mercado de trabalho desregulado e com altas taxas de desemprego. Como lembra Joana Bregolat, do Observatório da Dívida na Globalização, “a concordância de Bruxelas será central para a reforma laboral”, até porque com os fundos virá a condicionalidade das reformas. E o atual executivo, que prometeu revogar a reforma laboral de Rajoy e acabou por apenas mexer nalgumas normas mais gravosas, não parece ter margem de manobra para ir além do que lhe é permitido pela Comissão e contrariar a dinâmica privatizadora que é uma marca da aplicação destes fundos.
Em França, a resposta à crise surge numa conjuntura política já em clima de pré-campanha para as eleições presidenciais do próximo ano. O economista Michel Husson, aqui entrevistado por Salvatore Cannavò para a Jacobin Italia, afirma que o plano de Macron “revela uma incompreensão profunda sobre a natureza específica desta crise”, mas a perspetiva das eleições impede que à esquerda se apresente um projeto unificado. A longo prazo, diz Husson, o principal perigo é que a atual acumulação de dívida pública seja utilizada como argumento para restringir o necessário financiamento público da transição ecológica.
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