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Se restam autarquias ao PSD que PSD resta das autárquicas?

Dizer que as opiniões de Suzana Garcia a habilitam para candidata autárquica, mas não para candidata a deputada, candidata-se a anedota política do ano.

Quando o CDS de Assunção Cristas, há quatro anos, rompeu a coligação em Loures com o PSD de Passos Coelho devido às declarações racistas de André Ventura sobre a comunidade cigana, estaríamos longe de pensar que estaríamos perante o derradeiro momento de higiene e cerca sanitária da Direita portuguesa face ao extremismo que a iria assolar, condicionar e consumir interiormente, como um agente desagregador e corrosivo.

A grande estranheza, porém, reside na identidade dos agentes normalizadores da extrema-direita portuguesa. Poder-se-ia pensar que os saudosistas de Passos levariam a tarefa em mãos de bom grado, tendo o mote da vingança e o fito numa coligação futura que, retirando a Esquerda do poder, lhes devolvesse a governação que alguns ainda acreditam ter sido roubada por António Costa. Ou não fosse Ventura uma criação de Passos Coelho, cujo nome o líder do Chega (CH) não se cansa de aludir como referência pessoal na política portuguesa, uma espécie de Salvini intramuros. Mas quem dá o braço e verga a espinha é o PSD de Rui Rio e um CDS, moribundo, de ninguém.

Todo o capital político injectado pela escolha de Carlos Moedas para Lisboa foi imediatamente desbaratado, num processo autárquico que parece condenado a castrar química e toxicamente tudo aquilo que Rui Rio defendia no passado como basilar para que a política desfrutasse do seu "banho de ética". A teimosia de acreditar que a perseguição política é o passatempo preferido dos seus opositores, ganhou de goleada aos princípios mais elementares que restavam a Rui Rio para que alguém ainda pudesse defender a sua imagem política perante resultados eleitorais desastrosos. Agora, nada lhe resta. Talvez possa vir a reclamar que minimizou algumas perdas autárquicas e zurzir na noite eleitoral, pela enésima vez, para dentro e fora do partido. Mas enquanto normaliza e dá o braço à extrema-direita, vê uma parte do seu eleitorado a conviver com neofascistas e a outra parte a fugir, assustada, para o PS.

Depois dos acordos nos Açores e das conferências de Imprensa temáticas sobre o CH em noite eleitoral, a escolha de Suzana Garcia para a Amadora é absolutamente incompreensível para o eleitorado social-democrata. Dizer que as opiniões de Suzana Garcia a habilitam para candidata autárquica, mas não para candidata a deputada, candidata-se a anedota política do ano. Rui Rio está a disputar um espaço político que não é seu. E o CDS, indo em coligação mesmo sabendo que está a morrer às mãos do CH face à análise da transferência de votos, assina mais um pacto com o agressor.

A história acabará por nos dizer a razão pela qual um homem que pretendia devolver o PSD ao Centro, está a prestar este serviço de branqueamento político ao extremismo que, em última análise, se encarregará de o devorar por inteiro.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 9 de abril de 2021

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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