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Max e Lurdes: a memória não se apaga

O Estado português tinha a obrigação de proteger as vítimas e seus familiares, investigar os factos ocorridos em tempo oportuno, apurar os responsáveis e puni-los. Mas não cumpriu com as suas obrigações constitucionais.
Dossier 328: 45 anos do assassinato do Padre Max e de Maria de Lurdes
Dossier 328: 45 anos do assassinato do Padre Max e de Maria de Lurdes

Há 45 anos, na madrugada de 2 de abril de 1976, na Cumieira, às portas de Vila Real, rebentava uma bomba na viatura Simca onde seguiam o Padre Max e Maria de Lurdes.

Horas depois, na assembleia constituinte seria aprovada a Constituição da República, saída do 25 de abril de 1974 e das lutas operárias e populares que se seguiram. E as eleições legislativas realizadas poucos dias depois, em 25 de Abril de 1976, já não puderam contar com a participação do Padre Max como candidato pela UDP às primeiras eleições para a Assembleia da República.

A explosão foi minuciosamente preparada. O dispositivo elétrico de deflagração da potente bomba foi accionado perto da meia noite para matar o padre Maximino de Sousa e a Maria de Lurdes.

Uma voz silenciada à bomba, titulava o Jornal de Notícias anos depois, em 2006: a noite em que um padre de 32 anos, professor no liceu, amado pelos que o rodeavam foi silenciado por esse estrondo, ao quilómetro 71,6 da EN2 que ligava a Vila Real. A brutal explosão ceifara também a vida de Maria de Lurdes, 18 anos, estudante, filha de gente amiga dos tempos da emigração de Max na França.

Panfleto de 1976
Panfleto de 1976

“Padre Max-assassinos à solta”, alguém escreveu nas paredes da Cumieira, em cuja Casa da Cultura era feita alfabetização pelo padre Max. Assim foi. Apesar do empenhamento corajoso e persistente do advogado Mário Brochado Coelho nos mais de 20 anos que durou o processo judicial, não foi feita justiça. Um crime sórdido, hediondo e cobarde como escreveu nas alegações para o Tribunal da Relação do Porto. O Estado português tinha a obrigação de proteger as vítimas e seus familiares, investigar os factos ocorridos em tempo oportuno, apurar os responsáveis e puni-los. Mas não cumpriu com as suas obrigações constitucionais. Não houve vontade investigatória, antes o total abandono das tarefas primárias de recolha dos indícios materiais deixados no local do crime, e a destruição de parte substancial do acervo investigatório possível. Não se investigou tudo o que devia ser investigado porque não se quis investigar. Só vinte anos depois dos brutais assassinatos, na terceira vez que o Tribunal da Relação do Porto se pronunciou sobre o processo, é que foi decidido efetuar o julgamento de 4 arguidos como autores materiais de dois crimes de homicídio voluntário.

Em sentença proferida em 22 de Fevereiro de 1999, o Tribunal de Círculo de Vila Real concluiu que a explosão que matou o padre Maximino Barbosa de Sousa e a estudante Maria de Lurdes Ribeiro Correia resultou duma ação do MDLP, organização de extrema-direita fundada por Spínola e Alpoim Calvão e que visava o derrube violento do governo e demais instituições políticas emergentes da Revolução do 25 de Abril de 1974. Financiada por grandes empresários, organizou após o 11 de Março de 1975, mais de 500 ações, atentados bombistas, incêndios e assaltos a sedes de organizações e partidos de esquerda.

Apesar dos fortíssimos indícios constantes do processo sobre quem matou, como matou e ao mando de quem, o tribunal considerou a prova testemunhal, mais de 20 anos após o hediondo atentado, insuficiente para uma condenação.

O crime ficou sem castigo, mas o povo de Vila Real e de todo o país lembrará para sempre as figuras de Max e Lurdes, cujas vidas foram destruídas pelas bombas da extrema-direita.

Artigo de José Castro, resistente antifascista e advogado que acompanhou o processo judicial do assassinato do Padre Max e vários outros relativos à rede bombista

Sobre o/a autor(a)

Jurista. Membro da Concelhia do Porto do Bloco de Esquerda
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Neste dossier:

Dossier 328: 45 anos do assassinato do Padre Max e de Maria de Lurdes

45 anos sobre o assassinato do Padre Max e de Maria de Lurdes

No dia 2 de abril de 2021 passaram 45 anos da aprovação da Constituição de Abril e também do único crime político cometido pela extrema-direita do MDLP no pós 25 de Abril. Este conjunto de documentos procura lembrar e homenagear Max e Lurdes. Dossier organizado por Carlos Santos

Daniela Costa, autora do romance “ Uma bomba a iluminar a noite do Marão”

“Importa fazer memória. Resgatar do esquecimento vidas que não foram em vão”

Daniela Costa, autora do romance “ Uma bomba a iluminar a noite do Marão”, destaca em entrevista ao esquerda.net a importância de “Contar esta história para que se conheça a grandeza do caráter dos seus protagonistas e se possa repetir o refrão: ‘Não vos mataram, semearam-vos’!”

Miguel Carvalho e o seu livro "Quando Portugal ardeu"

"A culpabilidade da extrema-direita bombista da época ficou provada nos tribunais"

“O padre Max, pela sua integridade e percurso cívico, merece ser lembrado como alguém que, independentemente das suas convicções ideológicas, quis afirmar, praticar e consolidar a convivência democrática”, afirma o jornalista Miguel Carvalho, autor do livro “Quando Portugal Ardeu”, em entrevista ao esquerda.net

Funeral do Padre Max e de Maria de Lurdes, uma manifestação de luto e pesar, que juntou cerca de 20 mil pessoas, dispersas pelo percurso (segundo o JN de então)

“Ele era assim, estava connosco em tudo o que pudesse ajudar a gente a aprender”

"Podemos e devemos dizer que ao Max não lhe conseguiram roubar a vida, porque foi ele que deu a vida pela Vida”, afirma Paulo Bateira, nesta entrevista.

Dossier 328: 45 anos do assassinato do Padre Max e de Maria de Lurdes

Max e Lurdes: a memória não se apaga

O Estado português tinha a obrigação de proteger as vítimas e seus familiares, investigar os factos ocorridos em tempo oportuno, apurar os responsáveis e puni-los. Mas não cumpriu com as suas obrigações constitucionais.

Cartaz da Associação Padre Maximino

Memória da barbaridade

Neste artigo damos a conhecer uma mensagem de Januário Torgal Ferreira, bispo emérito das Forças Armadas e Segurança, sobre a passagem dos 45 anos do assassinato de Max e Lurdes. Lembramos a Associação Padre Maximino e divulgamos uma edição de 1977 de textos e notícias da ação de Max e do crime político de que foi vítima.

"Não vos mataram, semearam-vos!"

Carta aberta nos 45 anos do assassinato de Max e Lurdes: Não vos mataram, semearam-vos!

Neste dia 2 de abril de 2021, mais de três centenas de pessoas quiseram "render o tributo da memória ao sacerdote católico Maximino Barbosa de Sousa e à estudante Maria de Lurdes Correia”. Entre elas estão  personalidades da Cultura, da Política, da Igreja Católica e de outros setores da sociedade.

45 anos depois do assassinato de Max e Lurdes

45 anos depois do assassinato de Max e Lurdes

Este artigo é um apelo. Certamente, muitos cidadãos vão assinalar os 45 anos da Constituição, também a 2 de abril. Antes disso, e até para isso, podemos recordar Max em homenagem nacional.