You are here

Cidades sem carros, pensar o possível

Venho sugerir um tema, que não é inédito, mas que merece ser considerado com maior urgência: retirar os carros da zona central das grandes cidades. Há duas razões de fundo para essa proposta.

Estamos suficientemente perto das eleições autárquicas para se pensarem as alternativas e ainda suficientemente longe para que os debates sejam não instrumentais. Venho por isso sugerir um tema, que não é inédito, mas que merece ser considerado com maior urgência: retirar os carros da zona central das grandes cidades. Há duas razões de fundo para essa proposta.

A primeira é de ordem geral. O automóvel provoca pelo menos um quinto das emissões mundiais de gases de efeito estufa

A primeira é de ordem geral. O automóvel provoca pelo menos um quinto das emissões mundiais de gases de efeito estufa e, se em 2010 circulavam no planeta mil milhões de unidades, vamos aproximar-nos do dobro em 2025. A poluição atmosférica, segundo a OMS, provoca sete milhões de mortes por ano, a que terão de se acrescentar, na conta do automóvel, mais 1,35 milhões de mortos em acidentes e 50 milhões de feridos. Sendo evidente que outros modos de transporte não serão isentos de acidentes, esta densidade de problemas indica em qualquer caso que não haverá redução consistente das emissões (e das vítimas diretas do tráfego) sem uma redução do automóvel. É um dos mais difíceis desafios civilizacionais, dado que o automóvel é em alguns casos ainda indispensável, além de ser um poderoso sinal de estatuto social.

A segunda razão é prática. O automóvel condicionou a infraestrutura do transporte, mas também subordinou a utilização do espaço urbano

A segunda razão é prática. O automóvel condicionou a infraestrutura do transporte, mas também subordinou a utilização do espaço urbano, com consequências de aglomeração que são impossíveis de corrigir. Dei algumas aulas há uns anos numa universidade da Cidade do México, que ficava a quatro quilómetros do hotel, mas demorava duas horas a lá chegar de carro, sendo que a faculdade evitava que fosse a pé por questões de segurança, e ficou-me a lição. Isso não volta para trás. O congestionamento é uma tragédia para o uso do tempo.

Além disso, a alternativa elétrica é insuficiente. A bateria só nos poupa energia ao fim de oito anos de uso e exige recursos raros (um smartphone tem cinco gramas de lítio, um Tesla usa 50 a 60 quilos). Não há portanto alternativa a reduzir o número de automóveis. E é pelas grandes cidades que se pode começar. Terá o meu voto a candidatura autárquica que terçar armas pela proibição de circulação, exceto para residentes, na coroa central da cidade, pelos transportes coletivos gratuitos em rede eficiente e pelo desenvolvimento da ferrovia.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 19 de março de 2021

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
Comentários (1)