You are here

Lula da Silva: o estado do golpe

Aqui fica a história, para que dela tiremos lições: à democracia só serve a justiça, nunca o justicialismo político.

O golpe contra Dilma cumpre-se debaixo de uma falsa acusação de corrupção. A direita estava prestes a ter o que queria, conter a Lava Jato ao PT e tomar o poder. Só falhava um pormenor: Lula era o candidato melhor posicionado para as eleições de 2018.

Tudo começou em 2014. Um grupo de procuradores de Curitiba lançou uma investigação sobre lavagem de dinheiro através de empresas de fachada e deitou a mão a alguns “doleiros”, comerciantes ilegais de dólares. Como uma dessas empresas tinha sede no Pará, é atribuído ao grupo de Curitiba um processo judicial que se torna mega quando o fio do dinheiro revela as ligações entre um desses doleiros, Alberto Youssef, e o ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, ambos convertidos em “colaboradores premiados”.

Nascia assim a Lava Jato, do cruzamento entre uma alteração à lei de combate à corrupção aprovada por Dilma Rousseff para introduzir a “delação premiada” e a presença de um juiz de Curitiba chamado Sérgio Moro.

Com o decorrer da investigação descobrem-se pagamentos ilegais em três gigantes da construção civil, a Odebrecht, a OAS e a Camargo Correia. Os seus dirigentes convertem-se nos únicos empresários acusados pela justiça, para quem está reservado o papel de denunciar centenas de políticos em troca de reduções de pena. O espetáculo é triste e é transmitido em direto para todo o país.

Lá fora, o mundo assiste à ascensão da extrema-direita. No Brasil, a desaceleração económica pressiona as taxas de lucro e o peso da dívida pública, deixando nervosos os credores financeiros de um dos países que combina maiores taxas de juros e mais elevada evasão fiscal. Todos os olhos estavam postos no tesouro recém-descoberto pela Petrobrás: a maior reserva de petróleo do mundo.

A narrativa ganha corpo na ideia de que o Brasil seria a maior potência mundial se não fosse a sua tentação inata e inescapável para a corrupção, um impulso que atravessa partidos e cuja única solução é a redenção. O antídoto surge na mão do redentor Sérgio Moro.

O foco da corrupção desvia-se para a política, deixando os empresários e a elite predatória de mãos livres, descredibiliza a democracia, facilita a privatização de empresas públicas. Os jornais económicos lançam o desafio “porque não privatizar a Petrobrás?”.

Quando em 2015 o movimento redentor chega às ruas, a Globo faz a exploração sensacionalista em ligação direta aos procuradores judiciais. Feita a distinção entre o herói e o inimigo, a Lava Jato converte-se naquilo em que a conhecemos: uma grande articulação para expulsar o PT do poder, uma fraude na mão das forças conservadoras brasileiras.

O pacto junta partidos conservadores, instituições judiciais e a Globo. Num telefonema publicado pela Intercept, um senador do PMDB e o empresário Sérgio Machado selam o negócio: “Tem que ter impeachement. É preciso um grande acordo nacional – com supremo e tudo – aí parava tudo, aí delimitava como está.”

O golpe contra Dilma cumpre-se debaixo de uma falsa acusação de corrupção. A direita estava prestes a ter o que queria, conter a Lava Jato ao PT e tomar o poder. Só falhava um pormenor: Lula era o candidato melhor posicionado para as eleições de 2018.

Sérgio Moro dirige então um processo relâmpago contra o Lula, a quem condena a 7 anos de prisão ( depois foi aumentada para 9) por usufruto de um triplex no Guarujá. Sem provas, a condenação é conseguida através da delação premiada de Leo Pinheiro, Presidente da OAS, numa segunda detenção em que é sentenciado a uma pena pesadíssima, depois perdoada em troca da denúncia de Lula da Silva. O resto é conhecido: Sérgio Moro vai a ministro e Lula vai para a cadeia, está cometida a maior fraude contra a democracia Brasileira.

Passados três anos e depois de Lula ter cumprido 580 dias de cadeia, o Supremo Tribunal de Justiça anulou as condenações por considerar que o processo nunca poderia sequer ter sido julgado em Curitiba. Na decisão, o Juiz Luiz Edson Fachin deixou escrito o preâmbulo desta reviravolta na história brasileira: “no contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”.

O alerta serve para todos os que, também em Portugal, aceitaram substituir a criminalização da corrupção pela criminalização do Partido dos Trabalhadores e de Lula da Silva, numa tentativa de impor a agenda conservadora, reverter conquistas sociais, travar a ascensão social de milhões de pobres e dividir o saque.

Aqui fica a história, para que dela tiremos lições: à democracia só serve a justiça, nunca o justicialismo político.


Artigo publicado no jornal i a 11 de março de 2021.

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
(...)