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Escolas na linha da frente, também na vacinação

Ao longo da pandemia, tanto no início do ano presencial como no confinamento escolar em janeiro, o que saltou à vista foi a resiliência das escolas e a falta de preparação do Governo.

Até para improvisar é preciso ter um bom plano. No momento em que o país reclama um plano de desconfinamento, são cada vez mais audíveis os apelos a um regresso gradual e em segurança das crianças e dos jovens às escolas. Num dos países europeus onde as escolas estiveram encerradas durante mais tempo, não há como negar as impossibilidades do ensino não presencial e os seus efeitos nas aprendizagens e no desenvolvimento cognitivo, emocional e social, que se agravam em idades mais precoces. Mas esse é apenas um dos fatores.

Como tem sido escrito e repetido até à exaustão, o afastamento das crianças e dos jovens em relação à escola representa riscos sérios de degradação da saúde mental e de aprofundamento das desigualdades sociais. Afastados do espaço físico e das políticas educativas que procuram esbater os contrastes sócioeconómicos das famílias, estudar em casa é muito mais difícil para quem precisa de terapias e apoios específicos, para quem vive em casas sobrelotadas, com frio, sem alimentação adequada, sem internet ou computador, com famílias pouco escolarizadas, confinados à desigualdade brutal da nossa sociedade.

Se alguém tivesse esquecido, a terceira vaga provou que o acesso à educação é uma questão de direitos humanos e que as escolas são, por definição, linha da frente

Se alguém tivesse esquecido, a terceira vaga provou que o acesso à educação é uma questão de direitos humanos e que as escolas são, por definição, linha da frente. A educação em tempos de pandemia exige uma reflexão mais profunda do que a versão simplificada do “fecha e abre” de acordo com o número de casos em cada instante.

O problema não é matemático e, como se lê na carta dirigida ao Governo e ao Presidente por uma centena de médicos, psicólogos, pediatras, epidemiologistas, professores e investigadores defendendo a urgência de começar a abrir as escolas, “a escolha entre a vida dos mais velhos e a educação das crianças e jovens é um falso dilema”.

Como conciliá-los? A reabertura das escolas, segura e gradual, não pode ser vista como recompensa pela diminuição dos contágios nem está fadada a frustrar os resultados desse sacrifício coletivo. Mas reabrir as escolas não pode ser mais um jogo de cabra-cega.

Ao longo da pandemia, tanto no início do ano presencial como no confinamento escolar em janeiro, o que saltou à vista foi a resiliência das escolas e a falta de preparação do Governo.

No regresso ao ensino presencial, as escolas andavam às voltas com o atraso da contratação de funcionários para desinfeção, limpeza e prolongamento de horários, a recusa em reduzir o número de alunos por turma ou desdobrar as turmas para potenciar o afastamento, a escassez de acompanhamento especializado para as escolas elaborarem os seus planos sanitários, a incapacidade de agir sobre os transportes escolares, a hesitação sobre a testagem em massa.

Na decisão de voltar a confinar as escolas, a desorientação aprofundou-se com o intervalo inexplicável entre a promessa do Primeiro-Ministro de que todos os alunos teriam computadores, a primeira autorização de despesa (três meses) e a distribuição dos primeiros computadores (sete meses); a falta de equipamento para professores, mas também a inexistência de uma tarifa social de internet; a teimosia em manter o exame de 9º ano e as provas de aferição, a falta de clareza sobre as alterações curriculares e de avaliação; a tentativa de poupar nos apoios aos pais que ficam com os filhos em casa.

As hesitações de Tiago Brandão Rodrigues contribuíram para a ideia de que as escolas são sítios perigosos e não há a fazer sobre isso exceto agitar uma bandeira de “normalidade” em que ninguém acredita.

A realidade é outra. Um Relatório recentemente publicado pelos Centros para Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) sustenta que “as duas principais razões para a propagação de covid-19 nestas escolas foram o distanciamento físico inadequado [muitas salas cheias não permitiam sequer o distanciamento de um metro] e a falta de adesão ao uso de máscara nas escolas”.

Sobre esses e outros riscos de contágio, pouco foi feito para preparar a reabertura das escolas, mesmo saltando à vista, como conclui o relatório, que a “prevenção de infecções na escola passa pela adopção de medidas de mitigação e pela vacinação dos educadores”. É por aí que temos de ir. É preciso tirar a venda para que as escolas saibam para onde vão.

Artigo publicado no jornal “I” a 25 de fevereiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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