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Barragens: Governo tem muito para explicar

O Governo autorizou a venda de uma concessão a favor de uma sociedade veículo que ainda nem existia. Este esquema serviu para a EDP fugir ao pagamento do imposto de selo sobre a venda das concessões, no valor de 110 milhões.

Em 1954 o Estado português concedeu à Hidroeléctrica do Douro a exploração das barragens daquela região por 75 anos, até 2029. Esse contrato foi herdado pela EDP que, em 2007, o viu prolongado pelo ministro Manuel Pinho até 2042. Por essa extensão, a EDP pagou 759 milhões de euros.

Em 2019, a EDP resolveu vender os direitos de exploração daquelas seis barragens a um consórcio liderado pela francesa Engie. Para isso, pediu a autorização do Governo para o seguinte plano: a EDP Produção (dona das barragens) iria cindir-se e formar uma "Nova Sociedade" para onde seriam transmitidos os direitos de exploração das barragens.

Depois, essa "Nova Sociedade" seria vendida pela EDP a uma entidade chamada "Águas Profundas", detida pelo consórcio liderado pela Engie. A "Nova Sociedade" seria então fundida com a "Águas Profundas", que receberia todos os direitos de exploração. Segundo a informação da EDP ao Governo, a "Nova Sociedade" não estava ainda formada, e sê-lo-ia para a realização do negócio, para logo depois desaparecer, incorporada pela "Águas Profundas".

A Agência Portuguesa do Ambiente deu parecer positivo a este negócio, por comunicado de 13 de dezembro de 2020, e efetivou-o através de uma adenda ao contrato original de concessão, assinada no dia seguinte.

Ou seja, o Governo autorizou a venda de uma concessão a favor de uma sociedade veículo que ainda nem existia no momento da assinatura da alteração da concessão. O único e evidente propósito desta empresa era ajudar a EDP a fugir ao pagamento do imposto de selo da operação. Ao fazer passar a venda das concessões por uma operação de reestruturação empresarial, a EDP pretendeu beneficiar das isenções fiscais aplicáveis às operações de reestruturação. Este esquema serviu para a EDP fugir ao pagamento do imposto de selo sobre a venda das concessões, no valor de 110 milhões.

Como se isso não bastasse, ao admitir que este negócio seja apresentado como uma simples transmissão no âmbito de uma reestruturação, o Ministro do Ambiente abdicou de defender o interesse público. O Governo poderia ter usado esta renúncia da EDP à concessão para condicionar a autorização deste negócio à verificação se, entre 2008 e 2021, a EDP lucrou acima do avaliado por Manuel Pinho e à recuperação desses valores. Por outro lado, o Estado abdicou de vender a concessão em leilão, tendo a licitação da Engie como preço-base, mas procurando obter um encaixe adicional para o Estado.

O Governo tem muitas explicações a dar num negócio em que "olhar para o lado" significa, na prática, fazer um favor à EDP.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 23 de fevereiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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