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Tudo como dantes

Os dados de 2020 mostram que a economia da Zona Euro (ZE) foi uma das mais afetadas pela pandemia. As expectativas para a recuperação são pouco animadoras, já que só em 2022 poderemos chegar aos níveis de atividade pré-crise.

Depois de um ano de pandemia, a crise faz-se sentir na pobreza, no desemprego e nas falências. Apesar disso, o Orçamento confirma-se mais como um eco de pólvora seca do que de bazuca. No pior ano da crise, Portugal foi dos países cujo Governo menos gastou no apoio à economia, tendo deixado 7000 milhões na gaveta do Orçamento. O ministro Leão diz que não encontrou maneira útil de os executar.

O que move o Governo é apenas a contenção de cenários de catástrofe. A tática está, aliás, alinhada com a política de mínimos a nível europeu.

Suspendem-se regras, flexibilizam-se interpretações dos tratados, alteram-se discursos, mas tudo quanto havia de radicalmente errado no quadro europeu fica na mesma. Nem a bazuca chega, nem as regras mudam para que os governos invistam a sério. O resultado é um estímulo económico total que não se pode sequer comparar ao dos EUA.

Hoje já não é possível culpar os povos dos países periféricos pela crise da elite financeira. Mas mantém-se o quadro institucional que conduziu a essa crise e que se agravou depois dela.

Os acordos secretos em que a Comissão Europeia passou todos os direitos sobre as patentes das vacinas às grandes farmacêuticas, depois de ter financiado o seu desenvolvimento, são só exemplo do que não mudou na União Europeia dos interesses corporativos.

Na Banca, a persistência teimosa nas regras da União Bancária apenas iniciou a contagem de uma bomba-relógio. Quando os bancos forem obrigados a reconhecer as perdas das moratórias, uma nova vaga de resoluções recairá sobre os sistemas bancários mais frágeis. Mas a Comissão rejeita propostas alternativas, que passam por instrumentos públicos de intervenção. O BCE, por sua vez, recusa qualquer possibilidade de redução das dívidas excessivas, que são o maior garrote ao desenvolvimento económico da ZE.

A média da dívida pública na ZE está acima dos 100% porque a economia regional é fraca, e foi incapaz de dar uma resposta robusta à crise da última década. Sem o corte das dívidas, as regras do Tratado Orçamental ditam que, mais cedo ou mais tarde, a política da austeridade voltará. É porque todos o sabem (e aceitam) que o investimento é tão tímido e a recuperação tão incerta.

A política do BCE de insuflar os mercados financeiros com liquidez não respondeu à estagnação. O único efeito positivo foi o alívio da pressão sobre o juros da dívida dos países, que assim puderam conceder um pouco mais de estímulo orçamental. Mais eficaz seria se o BCE cancelasse os títulos de dívida pública que comprou nestas operações, ou os trocasse por títulos perpétuos. A dívida da ZE desceria para perto dos 70%, com uma nova possibilidade de resposta pelo emprego e pela economia.

Mas, para isso, não poderia ser tudo como dantes.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 16 de fevereiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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