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Da base para o topo

Que PS e PSD tenham querido dificultar ao máximo, na secretaria, a disputa de autarquias por listas de cidadãos é muito revelador da sua alergia a uma cultura política de democracia de base.

No Verão passado, PS e PSD deram um golpe rude na democracia participativa, quer ao nível local quer ao nível nacional. Neste, aumentando exponencialmente o número mínimo de subscritores necessário para que petições tenham de ser obrigatoriamente discutidas em sessão plenária da Assembleia da República. Naquele, ao alterarem a lei eleitoral para as autarquias locais, passando a proibir que um movimento de cidadãos que se candidata à câmara municipal não possa ser o mesmo que se candidata às assembleias de freguesia desse concelho.

As candidaturas de movimentos de cidadãos às eleições autárquicas são de natureza muito variada. Não faltam exemplos de zangas intrapartidárias, de caudilhismos locais ou de borbulhagens da agenda antipartidos a assumirem-se como bases de constituição de candidaturas “independentes”. Mas não faltam também exemplos de movimentos de agregação de ativismos temáticos, presentes nas vidas das comunidades, para os quais a disputa da política autárquica é um patamar irrecusável da sua experiência quotidiana de mobilização dos fregueses ou dos munícipes pelo bem comum.

A essa agenda anestesiante que PS e PSD verteram em lei, a contraposição forte não é a do mimetismo de métodos e de agendas, mas sim a da mobilização cidadã pela qualidade da vida das comunidades

O que enriquece a democracia representativa, desafiando-a, não é a “independência”, é o ativismo cidadão. É o que vem da base para o topo e não o que absolutiza a ausência de cartão de quem está talhado sabe-se lá porquê para ser do topo. É por isso que o “partido dos independentes” ou “das autarquias” sugerido por Rui Moreira como forma de contornar o golpe do bloco central na lei autárquica não é senão a confissão de que a independência formal não é o mesmo que alternativa real de conceção da democracia local.

Que PS e PSD tenham querido dificultar ao máximo, na secretaria, a disputa de autarquias por listas de cidadãos é muito revelador da sua alergia a uma cultura política de democracia de base. Desconsiderar assim as mobilizações de munícipes pela proximidade como critério da organização dos serviços públicos, por agendas locais de resposta à emergência climática, por políticas municipais de emergência na habitação ou nos apoios sociais ou por um ordenamento do território que escape à lógica predadora da especulação imobiliária é um irresponsável desperdício de vitalidade democrática. A essa agenda anestesiante que PS e PSD verteram em lei, a contraposição forte não é a do mimetismo de métodos e de agendas, mas sim a da mobilização cidadã pela qualidade da vida das comunidades.

Artigo publicado no diário “As Beiras” em 16 de fevereiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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