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Touradas na Circulatura do Quadrado

A propósito da sessão da Circulatura do Quadrado de 29 de Dezembro último, que andou muito em torno da caça, logo da hecatombe da Torre Bela e das touradas.

A Circulatura do Quadrado na TVI, herdeira da Quadratura do Círculo na SIC, é um espaço de debate em que, no reino da democracia neoliberal, única a que conseguimos aceder em tempos de globalização financeira e, portuguesmente, a que foi abraçada no pós 25 de Novembro, coloca em presença e em debate o leque político consentido pelos Donos Disto Tudo.

Duas presenças permanentes, Pacheco Pereira, como representante não oficial do PSD e Lobo Xavier, como representante não oficial do CDS; e uma outra que, graças às vicissitudes da dança do poder, tem sido preenchida por António Costa depois Jorge Coelho e finalmente Ana Catarina Mendes, todos do Partido Socialista.

Sem querer concitar fúrias desordenadas acho que no leque do Bloco Central+CDS (quando o CDS ainda não tinha sido devorado pelo Chega) o único comentador que consegue soltar-se da sua prisão ideológica e ajudar-nos a entender o presente com algum rigor é Pacheco Pereira; decerto graças ao seu pensamento estruturado no estudo precoce do marxismo e consolidado com o seu trabalho notável em torno da Ephemera onde, como historiador que é, consegue transformar o efémero em permanente conhecimento, o mais rigoroso possível da nossa história; pena o seu desvario ideológico em 2003 apoiando Bush contra o Iraque e ameaçando-nos com a “Guerra de Civilizações”!

Vem isto a propósito da sessão de 29 de Dezembro último que andou muito em torno da caça, logo da hecatombe da Torre Bela e das touradas.

Pelas funções que a estrutura natural da sociedade lhe atribuiu, e são muitas e de elevado mérito, entre administração de empresas e associações correlatas, sociedades de advogados, daquelas que fazem algumas leis que a Assembleia da República assina por baixo, sendo depois contratadas para deslindar os imbróglios, confusões e armadilhas que criaram para sustentarem os postos de trabalho mal pagos e os chorudos lucros dos galifões, António Lobo Xavier é Conselheiro de Estado além de aficionado das touradas e das montarias donde recebe a elegância do porte e do discurso e o cinismo do pensamento político.

Touradas (Pacheco Pereira é contra, Ana Catarina nem sim nem não mas acha que o Bloco traiu a esquerda ao votar contra o Orçamento) puxam tourada e Lobo Xavier investe marrando que nem uma besta e, embora de passagem, atira que o Bloco quis meter a Direita no Campo Pequeno. Mas era lá que a direita, em especial a afecta ao CDS do então jovem Lobo Xavier, se aglomerava para atacar o 25 de Abril e os governos de Vasco Gonçalves, os únicos que, apesar da prisão ideológica que os caracterizou , foram de esquerda neste país.

A frase de “Oxalá não tenhamos que meter os contra-revolucionários no Campo Pequeno antes que eles nos metam lá a nós” atribuída a Otelo foi, segundo o mesmo numa entrevista a José Manuel Fernandes do “Observador”, em resposta à pergunta da Rádio Renascença se “não estava preocupado com o que estava a acontecer no norte do país, destruição de sedes do PC, coisas graves…”

Lobo Xavier sabe, ele sabe muito desde há muito, que o Bloco de Esquerda não existia naquele verão de 1975 em que Otelo terá proferido a frase fatídica sobre o Campo Pequeno – o Bloco nasceu em 1999, 24 anos depois - sabe que, dos partidos que se juntaram para construir o Bloco, apenas a UDP teve papel no apoio à candidatura de Otelo às eleições presidenciais de 1976 (16%) e de 1980 (1,49%) contra Eanes e o General fascista Soares Carneiro, observador encartado na ofensiva nazi na frente Leste na II Guerra Mundial, director do campo de concentração de S. Nicolau, um Tarrafal em Angola dedicado aos africanos antifascistas e apoiantes da luta anti-colonial, currículo que o fez ser proposto e apoiado por Sá Carneiro, e pelo CDS de Lobo Xavier para “reconduzir Portugal aos caminhos da sua história” donde, depreende-se, teria sido desviado pelo 25 de Abril!

Todo o PREC, de 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975, foi caracterizado, por um lado, pela luta popular de massas por reivindicações sociais, económicas, culturais e políticas, estas muito concentradas no fim da guerra colonial – “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”- curiosamente quase as mesmas que ainda hoje, 45 anos depois, permanecem em maior ou menor medida com igual acutilância. Por outro lado, pela violência, por vezes extrema e assassina, da direita apoiada por sectores da Igreja Católica como o famoso Cónego Melo, a mesma da Democracia Cristã de Lobo Xavier.

Quando refiro direita estou a incluir militares, nomeadamente militares do MFA ou por este adoptados quando começou a grande cisão do verão quente de 1975 depois da nacionalização da banca e das grandes empresas estratégicas sob pressão da vigorosa luta popular, o que deve ter incomodado o nosso Lobo Xavier, já quase esquecido no meio de tanta violência que ele nunca condenou.

Fascistas declarados ou encapotados abrigaram-se em partidos criados em substituição da União Nacional/ANP de Caetano para o novo advento, como o PSD e o CDS, todos eles amantes fogosos do socialismo a partir da eleição para a Assembleia Constituinte em 25 de Abril de 1975 (ver o extraordinário documentário “À procura do Socialismo” realizado por Mário Lindolfo e Alípio de Freitas para a RTP).

A placenta para o terrorismo bombista e a violência miliciana, a que alguns chamaram popular, no assalto a sedes de partidos de esquerda, principalmente do PCP (os comunistas que comiam criancinhas ao pequeno almoço) foi constituída, portanto, por membros da Ala Liberal fascista. Fascistas aggiornados, por padrecas às ordens do bandido mor, o Cónego Melo, por mfa’s desiludidos e saudosos militaristas que só se deixaram confundir no 25 de Abril porque queriam furtar-se à guerra apesar dela lhes dar jeito, se possível feita pelos outros. Esses mesmos a quem a democracia a sério incomodava ao ponto de encobrirem os assassinos do MDLP e do ELP, aliá sob comando supremo do seu, deles, General Spínola depois feito Marechal por Mário Soares quando regressou do exílio para onde fugiu das consequências do golpe de 11 de Março em que foi assassinado o soldado Luís no RALIS.

A violência política contra a esquerda era apoiada pelo Comandante Militar da Região Norte, Pires Veloso – que para fazer pessoalmente o gosto ao dedo encarregou o seu Chefe de Estado Maior, o então coronel Gabriel Teixeira, da liquidação de militares presos em Custóias na sequência do 25 de Novembro (ler “Se a memória existe”) – dando toda a cobertura, aliás na peugada do então Chefe do Estado Maior do Exército Ramalho Eanes, ao comandante da PSP do Porto Major Mota Freitas que encobriu os assassinos do Padre Max e de Maria de Lurdes travando as investigações e permitindo que as provas materiais fossem eliminadas ou adulteradas.

O Capitão de Mar e Guerra Alpoim Calvão foi o chefe operacional do ELP/MDLP, organização que se distinguiu pela execução de 7 atentados mortais, 62 atentados contra habitações, 52 automóveis destruídos, 62 acções terroristas não especificadas, 102 sedes de partidos de esquerda atacadas e 70 destruídas. Aquela organização terrorista, cujo chefe político era o General Spínola (terá sido por isso que foi tornado Marechal por Mário Soares?), especializara-se na colocação de bombas. Foram eles que assassinaram o Padre Max, candidato a deputado pela UDP, e a estudante Maria de Lurdes, a 2 de Abril de 1976. Dia esse em que, curiosamente, era promulgada a Constituição Política mais avançada do mundo, a nossa, fruto da luta política e social do PREC, que o ELP/MDLP pretendeu sufocar.

Mas o bombismo dava tanto jeito para tentar travar o movimento popular que o VI Governo Provisório do Almirante Pinheiro de Azevedo naturalmente apoiado pelo CDS, achou por bem molhar a colher.

Para tentar acabar com a luta dos trabalhadores da Rádio Renascença que punha em causa a Santa Aliança com a Igreja Católica, o recém constituído AMI (Agrupamento Militar Independente , que designação tão ridícula e estapafúrdia: independente!) para se sobrepor ao COPCON e preparar o 25 de Novembro, foi encarregado de destruir, e destruiu, à bomba a antena da Rádio Renascença que emitia sob a consigna “ao serviço dos trabalhadores”, o que era de facto intolerável.

Toda a dinâmica assente em cumplicidades espúrias, ou nem tanto, a permissividade do poder saído do 25 de Abril para com os seus inimigos, a complacência com os pides e fascistas, a liberdade de acção dada aos terroristas do ELP e MDLP e o apreço demonstrado pelos seus chefes, destinou-se a travar a força do movimento popular democrático e revolucionário que emergiu do 25 de Abril. Preparavam, afinal, o 25 de Novembro

Aconselho o nosso querubim Lobo Xavier a ler o excelente livro de Miguel Carvalho “Quando Portugal ardeu”, Oficina do Livro. Talvez pouco venha acrescentar àquilo que já sabe sobre bombismo e bombistas apesar da sua juventude na altura. De qualquer forma aviva-lhe a memória e talvez o demova de provocações imbecis que já quase ninguém está disposto a fazer a não ser o seu aliado desde os tempos da AD e, mais recentemente da troika, André Ventura.

Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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