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De Washington para Belém

Já não basta bater em retirada, assobiar para o lado e sair de fininho. Não há outro caminho que salve o partido republicano deste engulho: terão de deixar cair Donald Trump, admitindo o "impeachment" ou, pelo menos, que responda em tribunal pelos crimes que deverá ser acusado.

E não são poucos, espectro largo, desde o incitamento à rebelião até à fraude fiscal. Mesmo num país onde o sistema judicial funcionou sob enorme pressão - não permitindo que um déspota alucinado se tivesse apoderado do poder após ter perdido as eleições -, será necessário que o partido republicano permita o inconveniente: imolar o homem para salvar a pele. Será difícil admitir que a história dos EUA conviva com um presidente condenado mas "Let's make America judge again".

A boa notícia da derrota eleitoral de Trump e dos actos fúnebro-circenses que o próprio organizou à sua volta desde que pressentiu que poderia não ser reeleito (sentimento reforçado pela forma condenável como lidou com o advento da pandemia), é que o seu projecto político pessoal morreu. E com ele, morreu um pouco de Bolsonaro, um pouco de Le Pen e um pouco de Salvini. E um pouco de outros tantos extremistas e negacionistas que albergam fascistas, xenófobos e racistas num cocktail século XXI prestes a explodir. O presidente dos EUA incitou ao ataque ao Congresso que já sabia estar a ser preparado há semanas. Equaciona-se a aplicação da 25.ª Emenda, assim como a investigação e expulsão de todos os congressistas que incitaram a tomada do Capitólio perante a inusitada insistência em não aceitarem os resultados eleitorais.

Forças policiais treinadas todos os dias, calçadas num orçamento de milhões de dólares/ano, foram incapazes de usar um décimo da força contra uma multidão de "rednecks" invasores da casa da democracia, como a que tantas vezes usaram nas ruas, por minudências, contra negros ou hispânicos. Basta atentar na forma como as forças policiais abriram as portas para a saída dos ocupantes e, iconicamente, na "selfie" que um polícia tirou com um ocupante. "Movimento zero" ou "QAnon", um espectáculo a ser servido à força das distâncias que (ainda) nos separam. Foi quase em simultâneo. Trump apelava ao fim da rebelião, denominando os invasores de "sua gente", e essa sua gente agitava bandeiras nazis e sucedâneos, vestia t-shirts homenageando Auschwitz onde se podia ler que "o trabalho traz liberdade", e uma congressista republicana discursava dizendo que "Hitler estava certo". Quase em simultâneo, enquanto isto sucedia, um candidato presidencial falava de si na terceira pessoa, alimentando a sua extrema-direita onde há portugueses que não têm lugar em Portugal, servindo-se de modelo para toda a Direita portuguesa em nome da qual desfilará em breve com Marine Le Pen. Sobre o ataque ao Capitólio, um muro de silêncio. Felizmente, algum jornalismo já acordou para o crime e a PJ para o Gabinete de Ventura.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 8 de janeiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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