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Fim da refinaria de Matosinhos e Transição Justa: Avanço ou Recuo?

Para haver uma transição justa, a empresa tinha e tem de ser nacionalizada para ser feito um processo de transformação que incluísse trabalhadores e descarbonização, criando a base de uma indústria nacional de energia não-fóssil.

A Galp anunciou ontem, para surpresa de alguns, que encerrará a refinaria de Matosinhos. Garantindo que o aprovisionamento e a distribuição de combustíveis fósseis se mantém e, portanto, garantindo que nada disto tem o que quer que seja que ver com transição energética, este anúncio resulta para todos os efeitos práticos, num despedimento colectivo de 700 trabalhadores, entre quadros e precários em outsourcing.

Rapidamente o Ministério de João Pedro Matos Fernandes veio dizer que esta medida se inseria na transição energética, ao mesmo tempo que se sabe que a produção cortada em Matosinhos será transferida para Sines.

Em capitalismo, isto é o que passa por transição justa. A empresa privada que no início deste ano distribuiu centenas de milhões em dividendos, que começou a pandemia a despedir e que volta agora à carga, corta nos seus custos para manter os seus dividendos, enquanto um governo satisfeito na sua impotência bate timidamente as palmas por serem cortadas emissões (que o não serão).

A expressão de preocupação com o futuro de quem trabalha na Galp por parte do governo neste momento é só reflexo dessa impotência. Por isso mesmo Matos Fernandes sublinha que as decisões da Galp “respeitam a empresa cotada, maioritariamente privada, que atua no setor energético em Portugal”. Agora apresenta como remendo para a situação uma parte do Fundo para a Transição Justa, “para financiar novos negócios que potenciem a transição para a descarbonização”.

A escolha reiterada de ser um mordomo dos negócios privados vem, claro, também de Bruxelas, que olha para descarbonização não como um processo histórico inultrapassável e com um prazo apertadíssimo, mas sim como uma oportunidade para “novos negócios” em que os trabalhadores continuam expostos aos desmandos de novas empresas privadas, as tais que receberão o dinheiro para os “novos negócios”. Ou alguém acha que este dinheiro vai para quem trabalhava na refinaria de Matosinhos ou na central de carvão de Sines?

À pergunta sobre se este encerramento é um avanço ou um recuo, a resposta é dupla:

  • A refinaria, como o resto da infraestrutura fóssil e a matriz produtiva baseada na emissão massiva de gases com efeito de estufa (aqui como no resto do mundo), tinha de encerrar;

  • Que essa decisão, esse timing e que o futuro de quem trabalhava nesse sector possa ter sido determinada pela direcção e pelos acionistas da empresa só garante que será um processo injusto, o que só pode criar a ideia de que não há transição justa. Será sempre assim em capitalismo.

As infraestruturas fósseis não fazem parte do futuro da economia portuguesa ou da economia mundial, porque a sua continuação implica necessariamente o nosso colapso colectivo. Enquanto o Estado for este espectador da transição conduzida pelas elites económicas do capitalismo, só haverá despedimentos e remendos depois dos mesmos, fragilizando quem trabalha e travando a transição para um sistema energético saudável. Foi por isso mesmo que dissemos na altura da Assembleia Geral de Acionistas que a “Galp tem de de cair”: para haver uma transição justa, a empresa tinha e tem de ser nacionalizada para ser feito um processo de transformação que incluísse trabalhadores e descarbonização, criando a base de uma indústria nacional de energia não-fóssil. Não há, nem nunca houve, qualquer aliança entre os donos da Galp e quem trabalha na Galp para a manutenção da sua actividade destruidora: os seus interesses são opostos.

Artigo publicado em expresso.pt a 22 de dezembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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