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A vacina não cura a economia

O ano próximo, quando quer que as vacinas comecem a alcançar a maioria da população, será de desemprego e falta de procura agregada.

Ao chegar ao fim do ano, as previsões antecipam uma queda do PIB mundial de 4%. Ultrapassará a da recessão de 2009 e será a maior desde o fim da Segunda Guerra. Os cenários ‘curtoprazistas’ são, portanto, imprudentes e, aliás, estão agora a dar lugar ao cinismo: não houve destruição criativa, queixa-se um analista, que pena não ter havido falências em catadupa para estimular o mercado. John Cochrane, um monetarista radical da Hoover Institution, propõe que “se deixe os bancos falir, de forma ordenada. As pessoas, computadores, edifícios são vendidos a novos donos, com novo capital, e o negócio continua como sempre”. Não vai tudo continuar como dantes, mesmo que haja o risco de se repetirem os mesmos erros em que os decisores são vezeiros.

Primeiro erro: orçamentos curtos

O ano próximo, quando quer que as vacinas comecem a alcançar a maioria da população, será de desemprego e falta de procura agregada. Na incerteza, só as políticas públicas podem corrigir a procura deficitária, razão para o FMI calcular um histórico multiplicador de 2,7 (um milhão de investimento público provoca um aumento de 2,7 milhões do PIB), e assim sustentar as redes sociais de proteção. Mas vão faltar recursos. A queda de receita de IVA e outros impostos pode alcançar os 10 a 20%, segundo as projeções da instituições internacionais, e em 2021 ficaremos longe do nível do produto de 2019.

Os fundos europeus poderiam cobrir uma parte dessa necessidade. O problema é que, embora ainda não se saiba como será resolvido o imbróglio com a Hungria e Polónia, mesmo no caso mais favorável esse contributo será atrasado (o empréstimo para despesas de lay-off deveria ter vindo em junho e chegou no último dia de novembro) e é reduzido. Portanto, vai ser preciso contrair dívida, beneficiando dos juros negativos. O que o orçamento não pode é ser curto. Eis uma boa razão para um orçamento suplementar, para corrigir o já aprovado, que é estruturalmente contracionista. Não haverá uma segunda oportunidade para responder a tempo aos problemas sociais imediatos.

Segundo erro: especular

Se sair do mundo real e ler as notícias das bolsas, notará a euforia. O índice S&P500 subiu 13% em novembro, um mês de rios de leite e mel, e as principais bolsas europeias incharam em 21%. Se alguém ainda tem dúvidas sobre esta anomalia, é melhor tomar atenção: a bolha concentra-se nas empresas que fizeram e farão grandes lucros, como as de comunicações, de publicidade (a Google e o Facebook), de gestão de dados e de informação. As bolsas estão intoxicadas com boas notícias e assim vão continuar. Como escrevia um economista do século XIX, se o lucro de uma operação for 10% haverá alegria, se for 20% será a loucura.

Ora, a euforia é ignorante. Na incerteza atual, já se registam três a dez vezes mais incumprimentos de hipotecas, o que pesa nos balanços dos bancos, e o efeito de arrastamento em 2021 será maior. As provisões têm crescido, os bancos procuram fusões desesperadas, mas nada disso evita que nasça um mundo novo em que os principais poderes financeiros mundiais passam a ser agências de transferências e pagamentos, ou gigantes como a Apple. Mais uma vez, não há regulação financeira que os domestique.

Terceiro erro: ignorar problemas

Os restaurantes e o turismo vão reduzir-se por muito tempo. Por isso, haverá setores que não recuperam com a vacina. Como a economia portuguesa depende de alta intensidade de emprego em atividades com baixo valor acrescentado e vinculadas à procura interna, isso significa desemprego. Essa é portanto a prioridade, recuperar a procura que salva empregos.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 4 de dezembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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