You are here

Zona Franca da Madeira: licença para abusar

Todos os anos, Portugal perde 850 milhões de euros devido ao abuso fiscal proporcionado por offshores e jurisdições semelhantes, dados da Tax Justice Network (TJN). É o equivalente ao salário anual de quase 50.000 enfermeiros.

Nem é preciso falar aqui do branqueamento de capitais. A simples evasão fiscal já é uma corrida para o fundo. Não se trata de eficiência económica, mas de concorrência desleal por parte de algumas empresas e indivíduos, com a consequente delapidação das receitas fiscais globais, com particular incidência nos países mais pobres.

Esta constatação não impediu Portugal de criar o seu próprio offshore, disfarçado de apoio económico à região ultraperiférica da Madeira. Em 2011, ano de crise e austeridade, foi publicado o livro "Suite 605". Nele, João Pedro Martins relata as histórias de fraude e evasão que levaram centenas de empresas a registarem-se na mesma suite 605, no Funchal. Alguns desses casos são bem conhecidos: Isabel dos Santos, apanhada no escândalo Luanda Leaks, a filha do ditador da Guiné Equatorial ou futebolistas famosos em fuga ao fisco. Outros casos, menos mediáticos, passam pela criação de empresas falsas para onde rendimentos de grupos económicos são canalizados, aproveitando as isenções e reduções de taxa, sendo depois distribuídos das formas mais criativas. Neste sistema, perdem os países de origem mas também a Madeira, que viu o seu PIB falsamente inflacionado, com redução de acesso a apoios comunitários.

Dirão que o offshore da Madeira já não tem a agressividade de outros tempos. É certo, mas nem por isso deixa de ocupar lugares respeitáveis nos índices que medem os graus de sigilo financeiro e facilitação fiscal em todo o Mundo. O prejuízo global causado pelo regime deverá rondar os 450 milhões de euros.

Os defensores da Zona Franca da Madeira argumentam com os benefícios para a criação de emprego e riqueza na região. Mas era há muito evidente que estes critérios não eram cumpridos. Os postos de trabalho eram falsos, assim como as empresas e, por isso, logo em 2016, o Bloco quis criar regras de cumprimento e verificação desses critérios. Essa proposta foi rejeitada por PS, PSD e CDS, os mesmos partidos que juravam que o regime servia para... criar emprego e riqueza na Madeira. Também a Comissão Europeia decidiu investigar e acaba de confirmar que houve fraude às regras, tal como há anos denunciamos.

Veremos se é desta que a hipocrisia do PS acerca do abuso na Madeira é abalada. Refere a imprensa que, na confusão das votações orçamentais sobre a medida do Novo Banco, quando a publicação destas conclusões estava iminente, o Governo terá tentado alterar o voto dos deputados do PSD Madeira com promessas sobre a Zona Franca, não se sabe bem quais. É um mau prenúncio num tema em que tanta transparência e rigor têm faltado.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 8 de dezembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
(...)