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Armar a tenda

Saber se a presença em frente ao Parlamento de nove empresários em greve de fome, faz mais ou menos pelas reivindicações do sector da restauração, hotelaria e diversão nocturna é algo de muito questionável.

Saber se a presença em frente ao Parlamento de nove empresários em greve de fome, habitualmente bem nutridos nas suas vidas normais (garbosa e luxuosamente exibidas nas redes sociais), faz mais ou menos pelas reivindicações do sector da restauração, hotelaria e diversão nocturna é algo de muito questionável.

Já inquestionável é o direito à manifestação e ao protesto. Não escolhe estrato social, não se julga pela preferência entre Instagram ou Tik-Tok. Ricos ou pobres, remediados ou bem prevenidos, iOS ou Androids, a raiz do protesto não está no sistema operativo. Qualquer razão que leve uma ou um grupo de pessoas, maior ou menor, a sair da sua zona de conforto e manifestar-se dias a fio, não pode ser encarado como marketing, birra ou defeito de software interno de uns quantos. A raiz do protesto está mesmo no hardware do descontentamento.

Uma coisa é o protesto, outra coisa é o que se faz com ele. O quadro paternalista e pouco educado como Francisco Rodrigues dos Santos foi "despedido" por Ljubomir Stanisic, numa espécie de "bullying" final à saída da porta da tenda, só não contemplou um segurança de discoteca à moda antiga porque o líder do CDS foi educado e saiu pelo seu pé. Mas, desta vez, a vida real sobrepôs-se aos programas televisivos (onde, de resto, nunca partilhei das opiniões que apontavam especial arrogância ou destempero a Stanisic). Independentemente do contexto despropositado de qualquer político em comitiva, é para serem ouvidos que grevistas fazem greve. Outros políticos foram recebidos de diferente forma, entre acenos. Já os restantes, pelo que se tem visto, não põem lá os pés. Tendo em conta as declarações do empresário jugoslavo, regressado do hospital após uma baixa de açúcar, lá terão as suas razões.

Glicemia psicoativa para armar a tenda. Só alguém num estado muito alterado de percepção pode comparar António Costa a Slobodan Milosevic e pretender sair incólume ou com qualquer tempero de idoneidade. Nem mesmo a sobreviver a pão e água e com a emoção à flor da pele. O que se faz de um protesto não pode arruinar as razões pelas quais milhares de empresários, representados ou não por associações sectoriais, lutam diariamente para que sejam ouvidas e atendidas de forma a que a sobrevivência do sector ainda seja possível. Se o empresário, nascido em Sarajevo, afirma que teve um ditador assim - tal como António Costa - na Jugoslávia e que acabou por cair como "este também tem de cair", não aprendeu a distinguir o essencial com mais de duas décadas de portugalidade e de mundo. Pode ser uma questão de demasiada fervura. Mas depois não se pode queixar de contribuir para o caldo entornado. Já a tenda fechou.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 4 de dezembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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