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Zé Mário, mais vivo que morto

Passou um ano, mas acredito que o Zé continua a ter 37 anos, ser do Porto, e a ser mais vivo que morto.

Estive com o Zé Mário uma única vez. Foi no Fórum Socialismo em 2018. Lembro-me de estar à porta do auditório e de ouvir alguém a gritar ordens contra a mesma, a dizer que já devia estar aberta: “Queremos entrar! Queremos entrar!”. E como é óbvio, era o Zé. No fim da sessão, no gesto mais à Zé Mário Branco possível, sacou de uma banana e começou a comê-la, enquanto o público o enchia de palmas, desalmadamente.

É impressionante a forma como tanta gente que não viveu Abril, o sente através das letras do Zé. Sentimos a alegria, a raiva, a desilusão, a esperança daquilo que talvez foi o momento mais vivo do nosso país. É quase inacreditável a forma como uma voz nos consegue transmitir tantos sentimentos. Chega a ser arrepiante pensar nas lágrimas que tantos e tantas derramam a ouvir o “Eu vim de longe” ao longo destes 46 anos.

É impressionante a forma como tanta gente que não viveu Abril, o sente através das letras do Zé. Sentimos a alegria, a raiva, a desilusão, a esperança daquilo que talvez foi o momento mais vivo do nosso país.

O Zé era um homem de luta, de garra, difícil de encontrar por aí. Era um tipo que não tinha medo de dizer o que lhe vinha à mente e que se estava a marimbar para o que dele diziam.

Quantos de nós não ouvimos o FMI e pensamos: mas como é que este gajo sabe aquilo em que eu penso? Quantos de nós não paramos a ouvir a “Queixa das Almas censuradas” e nos vemos a 100% naquela obra-prima? Quantos de nós sentimos aquela Inquietação que o Zé não se cansava de referir?

Todos que militamos pela melhoria da vida das pessoas vemos no Zé uma fonte de inspiração, um amigo com quem desabafamos através das suas músicas.

“Camarada, o Zé Mário Branco morreu” - foi assim, por SMS, que soube que uma das personalidades onde mais me refugiava tinha falecido, naquele fatídico 19 de novembro. A mensagem caiu-me mal, parecia que tinha morrido um conhecido de longa data, um amigo, um companheiro. Mais tarde vim a saber que não era o único a sentir isso.

Não era possível, não se podia tirar o Zé Mário ao povo, aos militantes, ao país. Roubaram-nos uma voz, uma esperança daquela que foi a grande festa dos cravos. Ficamos com a sensação que o enterro do Zé foi mais um passo atrás naquela que é a jornada pela igualdade dos povos. Afinal, falamos de uma figura irrepetível da história deste país. Ele foi o culminar de tanta coisa: luta, música, militância, perseverança.

Acho que todos nos perguntamos: O que é que o Zé teria a dizer deste momento político que se avizinha? Que respostas poderia ele transmitir nas suas músicas? Parece que ainda procuramos todos respostas nestas. É um consolo amargo e tão ingrato…

Cabe à minha geração honrar aquele que é o enorme legado deste magnífico ser humano. Singular na forma como acreditou num Portugal diferente. Compete a todos os militantes por esse país fora continuar a tentar, e a tentar, sem perder qualquer esperança. No fundo cumprir a missão cantada pelo Zé Mário no “Mudar de Vida”. Afinal, quantas vezes já tentamos nós?

Passou um ano, mas acredito que o Zé continua a ter 37 anos, ser do Porto, e a ser mais vivo que morto.

Sobre o/a autor(a)

Educador Social, Ativista Estudantil e LGBTI+
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