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Ver o PSD morrer

Ninguém, por mais longe que esteja politicamente do PSD, pode conceber que este partido tenha resolvido romper a cerca sanitária com o fascismo, a xenofobia, o racismo ou a misoginia.

Nenhum democrata, independentemente do quadrante político, pode olhar com indiferença para o caminho que o PSD, partido basilar da Direita democrática, decidiu trilhar. Mais ainda: ninguém, por mais longe que esteja politicamente do PSD, pode conceber que este partido tenha resolvido romper a cerca sanitária com o fascismo, a xenofobia, o racismo ou a misoginia. Pior ainda: é difícil acreditar que isto - isto que efectivamente está a acontecer - seja verdade. Que pelas mãos de Rui Rio, aquele que dizia querer recentrar o partido ou equacionar um novo bloco central, o PSD entre num processo de autofagia, deixando milhares de sociais-democratas órfãos, gente que jamais aceitará que o oportunismo de uma liderança à deriva corroa os princípios basilares da sua decência, dos pilares fundamentais da democracia e do seu humanismo. Há países europeus onde o centro-direita resiste (há décadas!) a alianças com uma extrema-direita que vale quase 20%. Em Portugal, para o PSD de Rui Rio, bastou um deputado, uns meses e umas sondagens.

Em Junho, Rio afirmava que "ainda ficamos racistas com tanta manifestação contra o racismo". No seu caso particular, demorou cinco meses. O que era um acordo regional nos Açores alastrou rapidamente para a possibilidade de um entendimento a nível nacional com o Chega (CH). "O apoio às nossas propostas não se recusa", esclarece Morais Sarmento. João Miguel Tavares, agora arauto do ardil, compara a castração química defendida pelo CH à defesa das 35 horas de trabalho na Função Pública (esperamos então pela comparação da defesa da pena de morte com a defesa da nacionalização dos CTT, ou a comparação da defesa do confinamento de ciganos com a defesa do fim das verbas para o Novo Banco). Deputados do PSD saem da toca para defender que o CH não é racista nem xenófobo, o autarca Salvador Malheiro recupera a história da AD e desonra a memória de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles. Vale tudo. Ventura e Rio usam o Twitter em simultâneo como se fossem gémeos separados à nascença, brincando com o fascismo à boa maneira de Trump e Bolsonaro. Morais Sarmento cria "fake news", afirmando que o BE não condena a Coreia do Norte. Ventura escreve que Portugal pode estar no bom caminho se "deixar de ser um país de maricas", horas depois de Bolsonaro ter dito o mesmo sobre as mortes com covid-19 no Brasil. Ventura agradece a Rio as palavras "em que se admite um entendimento com o CH a nível nacional". Rio escuta. Ventura sorri e nem deve acreditar na facilidade da passadeira que lhe estendem.

Quem é Rui Rio, afinal? A normalização do fascismo, acreditando que se pode moderar pelo contacto e tornar pequenino, é como acreditar que há carne boa que se possa comer numa ratazana. Foi assim que o fascismo cresceu por toda a Europa nas últimas décadas e foi tudo isso que a História do século XX nos ensinou. Basta ver quem "frequenta" o CH. Não há moderação possível para um racista ou um xenófobo. Está lá, intrinsecamente. O PSD esvai-se. Incompreensivelmente. Irresponsavelmente.

Artigo publicado no Jornal de Notícias a 13 de novembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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