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A dança dos acordos

PSD, CDS, PPM, Chega e IL comprometeram-se em aprovar o programa do governo dos Açores, os orçamentos, votos de confiança e em rejeitar moções de censura. Como se fossem um só partido, abdicando de negociar cada uma das propostas. Isto é mais do que uma coligação, é uma união de facto.

O Representante da República (RR) para os Açores, embaixador Pedro Catarino, decidiu indigitar o presidente do PSD/Açores como presidente do Governo Regional, segundo partido mais votado e com mais mandatos nas eleições regionais de 25 de outubro. A sua decisão foi sustentada na existência de acordos que, segundo o próprio RR, “têm a duração da legislatura, e compreendem todos os pontos essenciais para a manutenção da estabilidade governativa”. Ou seja, PSD, CDS, PPM, Chega e IL comprometeram-se em aprovar o programa do governo, os orçamentos, votos de confiança e em rejeitar moções de censura. Como se fossem um só partido, abdicando de negociar cada uma das propostas. Isto é mais do que uma coligação, é uma união de facto.

Os cinco juraram assinar de cruz tudo o que de mais relevante lhes for colocado à frente durante toda a legislatura.

Os acordos entregues ao Representante da República, com as assinaturas de cada um dos responsáveis, têm de ser divulgados. Perante a recusa do RR em divulgá-los, como solicitou o Bloco de Esquerda, resta aos partidos em questão fazê-lo o quanto antes

A questão que se coloca a seguir é: que acordo político subjaz a esta união que dispensa sequer a avaliação do programa de governo ou de 4 orçamentos? Sobre isso pouco se sabe. Os acordos são secretos e mantêm-se assim, escondidos dos açorianos e açorianas. Temos pois um governo que se forma com base em compromissos políticos (será que existem mesmo?) que ninguém conhece e que por isso podem ser alterados e adaptados a cada momento, conforme for conveniente para a tática partidária.

Os acordos entregues ao Representante da República, com as assinaturas de cada um dos responsáveis, têm de ser divulgados. Perante a recusa do RR em divulgá-los como solicitou o Bloco de Esquerda, resta aos partidos em questão fazê-lo o quanto antes. Se o RR e o Presidente da República os conhecem, por que motivo vive na ignorância quem irá ser governado por este arranjo?

No entanto, não posso deixar de realçar que foi com estupefação que li as declarações do presidente do Chega/Açores à revista Sábado quando questionado sobre o acordo com o PSD. Respondeu assim: "só está pronto para uma das partes", devendo chegar a uma versão final "ainda esta semana" para ser "assinado". Afinal o que entregaram ao RR? Um acordo assinado ou uma folha de couve? Haverá um acordo para o Representante da República ver e outro, preparado posteriormente, para açoriano ver? Isto é de enorme gravidade.

Por outro lado, o IL, divulgando partes do alegado acordo, sem publicar o papel com as assinaturas dos intervenientes, vem dizer que nada compromete a IL com a aprovação de orçamentos. Mas afinal o que entregaram ao RR? Novamente: Haverá um acordo para o Representante da República ver e outro, preparado posteriormente para divulgação pública? É preciso que se esclareça no imediato.

Os “acordos” são por isso um poço de contradições cuja credibilidade está, neste momento, abaixo de zero.

Mas há uma coisa que sabemos: PSD, CDS, PPM e IL preferiram aliar-se à extrema-direita racista, xenófoba, homofóbica e antidemocrática para chegar ao poder do que a manter-se fiéis aos princípios de respeito pelos direitos humanos. Sim, é disso que estamos a falar.

Independentemente do que contenham em concreto os ditos “acordos” secretos, a sua essência constitui um acordo político de alcance regional e nacional com um partido inimigo da democracia e da nossa autonomia. Alcance nacional porque medidas como o desumano corte no RSI ou a redução de deputados no parlamento dos Açores são medidas que implicam aprovação na Assembleia da República, as quais nenhum partido pode concretizar nos Açores.

Vejo que há desconforto no seio dos partidos desta com o acordo com o Chega, e até há partidos, como o IL, que se querem demarcar do Chega dizendo que o seu “acordo” é apenas com o PSD. É o mesmo que dizer que não se esteve no baile só porque não se dançou com todos. Não vale a pena disfarçarem, atravessaram juntos o Rubicão.

Ficará na história esse triste marco da democracia portuguesa que, lamentavelmente, teve os Açores como palco.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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