Um voto com razões

porJosé Joaquim Ferreira dos Santos

10 de November 2020 - 23:17
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O Bloco de Esquerda votou contra o Orçamento do Estado 2021, na generalidade. Das razões apresentadas sobressaem a falha no que concerne ao financimento do SNS e ao apoio social necessário para dar resposta à grave crise sanitária e económica.

Já antes e durante este processo o Partido Socialista, com a arrogância que por vezes o caracteriza, convenceu-se com a maioria absoluta que algumas sondagens lhe atribuíam e recusou um acordo de negociação para a legislatura.

As negociações entre ambos os partidos, decorreram durante vários meses e o Bloco não obteve respostas sérias às suas propostas de forma a minimizar os efeitos que a actual crise tem acarretado ao povo português.

Sem entrar no plano das culpabilizações, foram alguns dos responsáveis do PS, nomeadamente, Duarte Cordeiro, Ana Catarina Mendes e Carlos César, quem usou de toda a retórica, por vezes roçando o insulto mais soez, para apoucar o Bloco de Esquerda, o que não é condizente com qualquer atitude de entendimento, como agora querem fazer crer.

Os pontos que o Bloco apresentou aos negociadores do PS para debate conjunto foram muitos, alinhando-se em quatro grandes grupos:

1. Apoio decisivo ao SNS, passando pela mobilização dos fundos já aprovados no Orçamento suplementar, 4200 Milhões de euros, para dar músculo ao serviço, com contratação de pessoal de saúde, de meios técnicos e de diagnóstico, e não para entregar à indústria privada da saúde, sobretudo depois desta se ter negado ao combate à pandemia durante o confinamento. Há efectivamente uma diminuição dos fundos atribuidos à saúde. Não é, por certo sério, esperar que o SNS faça mais com menos. “O Bloco de Esquerda não se pode comprometer com um Orçamento que faz com que o SNS para o ano esteja mais frágil e que haja menos protecção social quando o país precisa de mais”. A eventual necessidade de recurso a hospitais privados não deve ser encarada como mais um negócio para estes, mas como um alargamento do serviço público, passando, se necessário, pela requisição civil dos hospitais privados e respectivo pessoal de saúde e de apoio. Os truques usados para afirmar que o OGE para 2021 sobe os financiamentos para a saúde decorrem de que o governo utiliza como base as verbas de 2019, antes da pandemia, e o Bloco entende que as verbas a actualizar deverão ser as de 2020, já sob o efeito da crise sanitária.

2. Revisão da legislação do trabalho para arredar os entraves que se mantêm desde os governos PSD/CDS, no período da Troika, e que entravam o desenvolvimento das relações de trabalho. Este assunto é considerado tabu pelo governo que apenas quer que esta discussão decorra no âmbito da concertação social, sem ousar assumir a sua responsabilidade enquanto governo, apoiado no Parlamento.

3. Aumento das pensões de reforma e atribuição de uma nova prestação social que retire do limiar de pobreza as vítimas da crise, para que ninguem fique para traz. Há de facto um recuo do governo no momento de maior emergência;

4. Consagração no Orçamento do Estado da recusa da continuação de entrega pelo governo de mais fundos para cobrir os buracos criados pela venalidade dos banqueiros, nomeadamente para o fundo abutre Lone Star, a quem o Novo Banco foi vendido, num negócio pleno de opacidade e estranheza.

A utilização de argumentos pelo governo, como do perigo de “eclodir de uma crise política”, da necessidade de “estarmos todos juntos” na luta contra a pandemia, ou de ser “incompreensível” a resolução do Bloco de Esquerda, não passam de manobras, no mínimo demagógicas, pois não correspondem a alternativas sérias às propostas apresentadas, como já se constata neste momento de agravamento da pandemia.

Outro sector em que se encontra um enorme vácuo é o relativo à concretização da Lei de Bases da Habitação, apesar das muitas promessas feitas em torno do chamado 1º. Direito, nem uma única casa foi construída ou recuperada, não mudando em práticamente nada a situação dos cidadãos sem uma habitação condigna, apesar alguns tímidos apoios atribuídos pelas autarquias locais, que são manifestamente insuficientes.

É por todas estas razões que o Bloco de Esquerda recusa veementemente as acusações do Primeiro-ministro, António Costa, de outros membros do governo e do grupo parlamentar do PS, de haver “desertado da esquerda, para se juntar à direita”, até porque não reconhece no PS o fiel do posicionamento à esquerda, depois de todas as suas cedências e aproximações à direita a par da permanente submissão ao Presidente da Republica.

É precisamente por não desertar das suas posições de esquerda que o Bloco repele os ataques a que tem sido sujeito pelos fazedores de opinião, que agora resolveram colocar-se ao serviço do governo do PS. O Bloco não deserta nem junta os seus votos à direita porque essa não é a sua forma de encarar a política e os portugueses atentos sabem disso.

Os constantes recuos do PS face às posições políticas, por cedência a pressões internas, por uma deficiente leitura da real situação política do país, ou ainda para satisfazer clientelas, não contribuem para credibilizar a política e defender a democracia.

O discurso do Bloco ao apelar, ainda, ao bom senso dos dirigentes do PS, contradiz a narrativa de agressividade e arrogância usada pelo PS no parlamento e nas entrevistas concedidas pelos seus dirigentes.

Também os desajustados ataques na comunicação social desencadeados por alguns daqueles que ainda há pouco tempo acusavam o Bloco de andar a reboque do governo PS, não passam de campanhas manipuladoras para desacreditar o Bloco e favorecer os partidos de direita. Com isto não se pretende meter toda a comunicação social no mesmo saco, mas que há quem se erice contra o Bloco, lá isso há.

José Joaquim Ferreira dos Santos
Sobre o/a autor(a)

José Joaquim Ferreira dos Santos

Reformado. Ativista do Bloco de Esquerda em Matosinhos. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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