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Sem-abrigo: o que estamos a fazer salva vidas?

Foi anunciada uma comissão de coordenação para elaborar a estratégia nacional de combate à pobreza com nomes importantes. Esperemos que depois de elaborada, a estratégia saia da gaveta.

A revista científica “Lancet” publicou no fim de setembro um estudo inglês que tenta perceber o impacto das medidas tomadas para proteger a população em situação de sem-abrigo da pandemia. Os autores indicam que a população sem-abrigo é vulnerável à Covid-19, porque partilha os mesmos equipamentos sociais e porque os seus elementos têm, muitas vezes, uma saúde frágil pelo facto de viverem na rua.

Os cientistas tentaram estimar o número de mortes evitadas e o uso do serviço nacional de saúde britânico (National Health System – NHS) no apoio às pessoas em situação de sem-abrigo durante a primeira vaga e o potencial impacto nas vagas seguintes, como a que estamos a viver agora em outubro.

Em Inglaterra há mais de 46.500 pessoas em situação de sem-abrigo, 7.132 a viver sem teto, na rua. O estudo indica que as medidas tomadas, nomeadamente o apoio de saúde para tratamento de Covid-19 e o reforço de camas nos albergues de emergência terão poupado mais de mil hospitalizações e evitado mais de 240 mortes. Ou seja, as medidas tomadas na primeira vaga da pandemia para proteger a população sem-abrigo foram muito importantes para salvar a vida destas pessoas e para reduzir os riscos para a saúde pública.

Este estudo realizado para Inglaterra tem eco para o nosso país. Em Portugal, Lisboa foi dos poucos municípios que realizou um programa de acolhimento de emergência da população em situação de sem-abrigo. Foram abertos quatro centros de emergência, com 220 vagas, que ainda estão em funcionamento e por onde já passaram cerca de 700 pessoas que foram saindo para respostas sociais mais robustas, como o programa “Housing First”, ou para respostas familiares.

Esta aposta do vereador Manuel Grilo do Bloco de Esquerda, que foi apoiada pelo presidente da câmara de Lisboa Fernando Medina, pode ter salvo centenas de vidas na capital e contribuído para reduzir a pressão nos hospitais. Só é pena que apenas Lisboa tenha decidido avançar com esta estratégia e que o Governo nada tenha feito para tornar esta experiência uma política nacional.

Com a segunda vaga e o aumento de casos nos últimos dias percebe-se que Câmara de Lisboa tenha de manter a sua aposta e torna-se difícil compreender por que razão o Governo planeia reforçar a resposta nacional apenas em 2021, conforme expresso no Orçamento do Estado; essas 600 camas eram necessárias agora.

Falando das pessoas sem-abrigo, assinalou-se no passado fim de semana o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, tendo o Governo anunciado a criação de uma comissão de coordenação para elaborar a estratégia nacional de combate à pobreza com nomes importantes, como o Professor Carlos Farinha Rodrigues. Só podemos esperar que depois de elaborada a estratégia saia da gaveta, porque na crise da pandemia, como já antes na crise da troika, os mais pobres foram e continuam a ser os mais afetados.

Artigo publicado no “Jornal Económico” a 20 de outubro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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