Vamos lá falar com verdade

porHelena Pinto

18 de October 2020 - 21:01
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Há certas coisas que estão no domínio da análise, da opinião, e cada um e cada uma tem um direito alienável de a praticar. Debate-se, argumenta-se, contra argumenta-se, convence-se o outro ou não se convence.

Mas há outras coisas que estão no domínio daquilo que é factual. E os factos ou estão certos ou estão errados. As consequências e os impactos desses factos já estão no domínio da análise, mas os factos em si, ou existem ou não existem, ou estão certos ou estão errados.

Vem isto a propósito do Orçamento de Estado para 2021. Não vou hoje falar do seu conteúdo e das negociações em curso. Isso ficará para outra ocasião, embora seja matéria de enorme interesse.

O Orçamento de Estado inclui as transferências de verbas para as Autarquias Locais, decorrentes da aplicação da Lei das Finanças Locais. Diga-se já, que os municípios e as freguesias todos os anos protestam pois a Lei das Finanças Locais nunca foi cumprida integralmente por nenhum governo. Têm toda a razão.

O ano passado (2019) foi pela primeira vez realizada a transferência de verba para os municípios referente a uma participação de 7,5% na receita do IVA cobrado nos sectores do alojamento, restauração, comunicações, electricidade, água e gás, no seu concelho.

O Orçamento de Estado é um documento público, disponível para quem o quiser consultar, e, no ano de 2019, o município de Torres Novas foi contemplado com uma verba de 1.472.453 euros. À frente de Torres Novas apenas ficaram Lisboa, Porto e Sintra.

É um facto que esta verba constava do mapa anexo ao Orçamento de Estado. Também é um facto que temos cabeça para pensar e, de imediato se percebia que ali estava um engano. Até a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) no seu parecer enviado à Assembleia da República ao questionar a disparidade dos valores desta transferência apontava: “sendo a mais flagrante a verba do Município de Torres Novas”.

O próprio Ministro das Finanças (Mário Centeno na época) questionado sobre esta matéria pela deputada Mariana Mortágua, admitiu, no Plenário da Assembleia da República, que havia erros.

Erros existem e enganos também. Não é aqui que está o ponto da questão.

A questão reside no foguetório que o PS local fez dizendo que Torres Novas estava no topo, que era um concelho cuja dinâmica empresarial era invejável, etc., etc., nem sequer parando um segundo para pensar. E mais, em vez de dizer que iriam confirmar os números, confirmar se de facto se consome assim tanta electricidade e há tanto alojamento de hotelaria, pelo contrário, começaram a inventar de onde vinham os consumos para justificar os números.

Esqueceram-se que os factos são factos… mas podem ser confirmados ou desmentidos…

Chegou o Orçamento de Estado para 2021 e com eles o Mapa com as transferências para as autarquias. E lá está: 155.798,00 euros (!) para o município de Torres Novas referente à participação de 7,5% do IVA cobrado no concelho nas áreas que já referi.

O PS local e o presidente da Câmara, Pedro Ferreira, não têm motivo para se queixar. O que é um facto é que para além das palavras de Mário Centeno, em privado e em várias ocasiões e por várias fontes foi assumido que havia um erro, mas que as coisas ficariam assim…

Por isso, estou indignada com a intervenção de Pedro Ferreira na reunião pública de Câmara Municipal realizada ontem. Questiona os actuais números e volta-se contra a oposição dizendo, entre outras coisas, que é “incomodativo” para o Bloco de Esquerda que “Torres Novas seja projectada para a frente”. Já tinha dito outras coisas semelhantes o ano passado, quando se tentava (eu e o vereador do PSD) chamar à razão, à ponderação e ao bom senso.

Agora o mínimo que se exigia era uma posição séria, humilde e verdadeira dos governantes locais do PS. Ouve um engano, o nosso concelho não é o 4.º a nível nacional, nem o 1.º do distrito de Santarém. É o que é, e não é vergonha nenhuma. É a realidade.

Ninguém pense que o desenvolvimento virá se baseado em mentiras.

Aproveitar factos que são questionáveis e passíveis de confirmação e ainda sabendo que serão desmentidos a curto prazo, para fazer campanha política, é o quê? Como classificar esta atitude? E, já agora, se o dinheiro veio para Torres Novas e não pertencia ao concelho, quais as autarquias que ficaram prejudicadas? E não venha Pedro Ferreira misturar o IMT, que nada tem a ver com este assunto. Devolvemos imposto do IMT porque os Fundos Imobiliários estão isentos do pagamento deste imposto e … por culpa de quem? PS e PSD que se recusam a alterar a lei.

Já o mesmo tinha acontecido quando Torres Novas apareceu no ranking das cidades mais seguras, tornou a acontecer com a média do rendimento da população, na análise aos números sobre a construção de edifícios no Médio Tejo, e surge amiúde em crónicas de dirigentes locais do PS, como por exemplo “a posição de liderança no Médio Tejo…”, seja lá o que isso for.

Esta ideia de que somos os maiores e temos tudo melhor que os outros é assim como uma coisa com um cheiro bafiento que só convence os próprios e mesmo assim não tenho a certeza.

Deixem-se de “rankings” e já agora não esqueçam “pode-se enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo, mas não se pode enganar todas as pessoas o tempo todo”.

Artigo publicado em mediotejo.net a 15 de outubro de 2020

Helena Pinto
Sobre o/a autor(a)

Helena Pinto

Dirigente do Bloco de Esquerda. Vereadora da Câmara de Torres Novas. Animadora social.
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