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Trump: monstro do pântano

É duvidoso que algum eleitor indeciso tenha ficado esclarecido ou sido arrebatado por algum dos candidatos e, no entanto, parece que ficou tudo dito. Porque entre tanto ruído o mais perigoso é o que Trump quis que fosse audível, e nisso ele não se engana...

“That was a shit show”, resumiu a editora de política da CNN no final do primeiro debate presidencial entre Donald Trump e Joe Biden. O triste espetáculo a que assistimos na madrugada de terça-feira foi classificado unanimemente como o pior debate entre candidatos presidenciais de sempre e um doloroso momento de televisão.

Embora se possa alegar que Biden não fez grande figura, a culpa pelo desastre é claramente de Trump, o mais impreparado e mentiroso dos presidentes dos Estados Unidos da América. A estratégia de tornar o debate num autêntico caos serve bem o estilo de quem é monstro de pântano, quanto maior confusão melhor.

No meio da cacofonia é duvidoso que algum eleitor indeciso tenha ficado esclarecido ou sido arrebatado por algum dos candidatos e, no entanto, parece que ficou tudo dito. Porque entre tanto ruído o mais perigoso é o que Trump quis que fosse audível, e nisso ele não se engana. A recusa em condenar movimentos ultra nacionalistas e a violência de gangs de supremacistas brancos não é casual e deixa um sinal assustador sobre o que seria um segundo mandato de Trump num país que precisa de ser entendido e pacificado.

O outro perigo a que o Presidente fez questão de regressar durante no debate foi a intenção sobre a transição do poder. Não é nada que não se tenha visto antes, Bolsonaro já fez ensaios parecidos, mas a forma como Trump põe em causa a legitimidade das eleições e denuncia a existência de fraudes eleitorais com cinco meses de antecedência faz com que tenhamos de levar a sério a ameaça de que não haverá uma transição pacífica caso perca as eleições. A pressa para substituir Ruth Bader Ginsburg e blindar o supremo são manobras preventivas de qualquer futura tentativa de manipulação das eleições As expressões “golpe” ou “guerra civil” podem parecer exagero de quem anda nas redes sociais mas são, também elas, sinais dos tempos.

Perante isto, será que o escândalo fiscal de Donald Trump tem algum impacto? É verdade, não é todos os dias que se sabe que um Presidente bilionário pagou 750 dólares em impostos sobre o rendimento por ano, mas não será esse o american dream? Trump gaba-se de ter fugido aos impostos “dentro da legalidade” como qualquer outro norte-americano faria. Para responder a isso é preciso ir um bocadinho mais longe do questionar a moralidade fiscal de Donald Trump.

Trump foge aos impostos dentro do sistema porque é o sistema. Como se disse recentemente em Portugal sobre um dos seus discípulos, ele é o pior que o sistema tem. No reverso da folha de impostos de Donald Trump está a acumulação de riqueza dos super ricos, está a ausência da resposta à pandemia de covid-19, estão muitas mortes causadas pela inexistência de um sistema público de saúde, está uma população negra para quem a existência se tornou mais perigosa, estão tantas mulheres vítimas de violência de género, está o pior que o sistema capitalista tem que é a ameaça à própria democracia.

Debater e enfrentar Donald Trump não é business as usual, coisa que os democratas teimam em não perceber. Não será segredo para ninguém a minha preferência por Bernie Sanders, não apenas por maior afinidade ideológica mas por achar que era o candidato melhor posicionado para uma guerra em campo minado como aquela para a qual Trump arrasta os seus adversários.

Mas Joe Biden ganhou as primárias e a partir desse momento “o Partido Democrata é ele”. Isso significa duas coisas. Primeiro, que com os olhos mais fechados ou mais abertos o que se espera de todos os democratas é que votem em Biden. Segundo, que depois de eleito Biden tem de ser confrontado na Casa Branca por todos os movimentos progressistas, tem de pressionado pela cidadania para a saúde, apoio social, descarbonização e desarmamento. Derrotar Trump não é apenas vencer um homem, Wall Street precisa de ser confrontada em várias batalhas.

A humanidade também espera resultado de progresso nos Estados Unidos.

Artigo publicado no jornal “I” a 1 de outubro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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