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Como assaltar um banco?

A Lone Star procura vender rapidamente, seja a que preço for, para que as vendas decorram dentro do tempo em que o Estado é avalista.

Um par de anos antes da crise financeira mundial, um académico norte-americano lançou um livro premonitório. De forma simples mas muito informada, o livro que se tornou um best seller explicava que a melhor forma de assaltar um banco é a partir da sua administração. Imagino que a história do livro de William K. Black seja familiar à larga maioria de nós.

Ainda que o BES seja grande exemplo nacional do saque aos bancos está longe de ser caso único. Gigantescos buracos nas contas derrubaram também BPN, BPP ou o Banif. O nosso cantinho à beira mar plantado não é exceção à regra e a tese de Black confirma-se com estrondo, rebentando também com as contas públicas: vícios privados, prejuízos públicos.

Depois de tamanho desastre, ninguém pode alegar desconhecimento. Mas, acontece tantas vezes, a memória é efémera e a história, já avisava Marx, se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. É o caso do Novo Banco.

O Novo Banco foi criado em 2014 como sendo o “banco bom” do BES, garantia dada por PSD e CDS. A promessa nessa altura era de que o Novo Banco seria vendido a privados no período de um ano e, se não houvesse compradores, o banco seria liquidado - nada disso aconteceu. No final de 2015 mudou o governo, mas não mudaram as vontades: a alienação da instituição manteve-se, agora como intenção de António Costa.

As promessas de boa venda e as juras de amor ao dinheiro público repetiram-se, em 2017, na entrega ao fundo abutre Lone Star - um fundo financeiro cujo único interesse é ganhar o máximo dinheiro no mínimo tempo possível, deixando a fatura para os contribuintes portugueses. António Costa garantiu que “não há encargos para os contribuintes”. Marcelo Rebelo de Sousa quase fez lembrar o seu antecessor dizendo que podíamos “ficar descansados de que a solução encontrada, que é na linha do governo anterior, é de não haver garantia do Estado, não haver responsabilidade do Estado”. A história repetia-se, com PS, PSD e CDS a rejeitar a nacionalização do banco proposta pelo Bloco de Esquerda.

Entregar um banco a privados com garantias públicas e deixar que o administrem como queiram é um convite ao saque. Fazer um contrato de venda que deixa blindados os interesses dos privados e sem direitos a parte pública, é dar cobertura legal a esse logro. Infelizmente, é este o resumo da venda do Novo Banco. A indignação geral que alguns dos protagonistas desta história agora apresentam faz parte da farsa em curso. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita, afirma a sabedoria popular, e o processo do Novo Banco confirma.

O tempo transformou-se num dos fatores do desastre anunciado: a Lone Star procura vender rapidamente, seja a que preço for, para que as vendas decorram dentro do tempo em que o Estado é avalista. Assim, por muito mau que seja o negócio, a Lone Star nunca sai com prejuízo porque o Estado paga o estrago. E quem tem ganho com estes negócios? Os offshore escondem as identidades. Pode até ser alguma empresa do grupo da Lone Star, não se sabe. Sabemos é que se vende a patacos pelo Novo Banco o que depois é negociado muito acima do preço de venda.

O escândalo mais recente, a venda da seguradora GNB Vida com um desconto de 70% garantido pelo Estado, é só mais um exemplo desta gestão questionável. Até a Comissão Europeia participou nesta farsa forçando a venda desastrosa. Para se perceber a falta de critério do negócio, o comprador terá sido o “testa de ferro” de um empresário acusado de crimes nos Estados Unidos e que estaria legalmente impossibilitado de fazer o negócio. Parece valer absolutamente tudo.

E não estava a ser feita uma auditoria à gestão do Novo Banco? Já devia ter sido entregue há semanas, mas não se sabe quando virá. Parece a espera de Godot, que deixa paralisado o Governo, o Presidente da República e até o novo Governador do Banco de Portugal. Quem não pára é a administração do Novo Banco na sua senda liquidatária.

O Novo Banco está em liquidação total, campanha promocional patrocinada com garantias públicas lesando-nos a todos. Se falham os poderes executivos na defesa do interesse público, chegará a hora da Assembleia da República fazer o que lhe compete: um inquérito à gestão do Novo Banco.

Artigo publicado no jornal Público, a 14 de agosto de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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