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Obrigado, Bloco!

Embora tenha uma posição em geral crítica sobre o Bloco de Esquerda (sou militante do Partido Socialista), não posso deixar de manifestar o meu apreço pela sua coerência em relação a Angola bem como pela sua contínua solidariedade para com as vítimas da repressão do regime de Luanda.

Contrariamente aos restantes partidos portugueses com assento parlamentar, o Bloco de Esquerda tem colocado os princípios acima dos interesses pontuais e mesquinhos, do negócio.

Quando o então Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, visitou Portugal, em março de 2019, e se encontrou com os partidos na Assembleia da República, o Bloco não se fez representar, invocando profundas divergências “no que diz respeito aos direitos humanos, à liberdade de imprensa e à própria conceção de democracia" em Angola.

Quando, no ano anterior, a Justiça Portuguesa pretendia levar a julgamento o ex-Vice Presidente de Angola, Manuel Vicente, pelo crime de branqueamento de capitais, cometido em solo português, altas personalidades políticas do nosso país, com responsabilidades, como Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, consideravam a atuação dos magistrados como “um irritante”, um empecilho no desenvolvimento das relações económicas com Angola, congratulando-se depois publicamente com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de remeter o processo para Angola (sinónimo, então, de impunidade).

Estávamos ainda na fase em que Isabel dos Santos, a princesa, a mulher mais rica de África e campeã da corrupção, como se veio agora a demonstrar, fascinava a elite portuguesa, que preferia ignorar o que já era óbvio antes mesmo das revelações do “Luanda Leaks”.

A luta desenvolvida por Luaty Beirão e os seus jovens companheiros, detidos em Angola e vítimas de sevícias, mereceu a solidariedade do Bloco, enquanto os partidos tradicionais preferiram assobiar para o lado, como se nada estivesse a passar.

No que respeita ao 27 de maio de 1977, o Bloco promoveu, em março de 2017, uma audição parlamentar na Assembleia da República, permitindo que sobreviventes do massacre divulgassem, a esse nível, o que foi uma das maiores tragédias da África independente, que ceifou a vida de cerca de 30 000 angolanos.

O Bloco organizou também, nesse ano de 2017, o Dossier 270- 27 de Maio, compilando valiosa informação, resultante de um trabalho profundo de investigação do jornalista Luís Leiria, a quem presto um reconhecimento especial.

Mais recentemente, o Bloco de Esquerda tem dado voz aos que denunciam as contradições da política de “Reconciliação e Perdão”, promovida pelo MPLA, em que vítimas e torcionários são colocados no mesmo plano.

A falta de princípios do Partido Socialista nesta matéria é, de há muito, honrosamente acompanhada pelo PCP. Quando ex-militantes deste partido, como Sita Valles, estavam a ser torturados e assassinados, as Edições Avante publicavam, em 1977, o relatório do Bureau Político do MPLA, que considerava as vítimas contra-revolucionárias e agentes do imperialismo, vangloriando-se também de que “não se iria perder tempo com julgamentos” (a célebre frase de Neto que constituiu a luz verde para os massacres). O próprio autor destas linhas, que tinha no prelo o livro “Apartheid em Crise”, edição da Seara Nova, foi silenciado, com a retirada da circulação da obra, considerada inatacável sob o ponto de vista ideológico e de escrita, mas com a mancha horrível de ter sido escrito pelo irmão de Sita Valles (que passara rapidamente de exemplo de militância a figura a apagar).

De notar que, na altura, digladiaram-se essencialmente dois grupos: um, dito “moderado”, consubstanciando a direita do MPLA, em torno de Agostinho Neto, e outro, liderado por Nito Alves, acusado de ser pró-soviético e representando a “esquerda ortodoxa”, os comunistas. Bem sabia o PCP que estava a ser dizimado setor mais avançado e combativo do MPLA, integrado no movimento comunista internacional. Daí a hipocrisia da colagem aos vencedores.

Hoje, o MPLA está na Internacional Socialista, tal como antes proclamava a adesão formal aos mesmos ideais do PCP. Os seus dirigentes optaram há muito pelo caminho fácil da delapidação das riquezas de um dos países mais ricos de África, por aquilo a que, sem vergonha, assumiram como “acumulação primitiva de capital”.

A opinião pública internacional está hoje desperta para a questão de Angola e o Bloco em muito contribuiu para tal.

Obrigado, Bloco, pela coerência e pela solidariedade!

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Advogado e autor
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