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Novo Banco: António Costa descobriu a pólvora?

Nos últimos anos, todas as dúvidas sobre quem e a que preço estavam a ser vendidos os ativos do Novo Banco foram descartadas, com Governo, Banco de Portugal e Fundo de Resolução a insistirem, contra todas as evidências, que o modelo de venda previa suficientes formas de fiscalização.

Já a noite ia longa, no dia 13 de maio, quando o primeiro-ministro, através das suas redes sociais, procurou pôr um ponto final na polémica dos últimos dias. Tudo começou na semana anterior, quando António Costa garantiu a Catarina Martins que o Estado não transferiria mais recursos para o Novo Banco sem conhecer o resultado das auditorias em curso. Acontece que, no momento dessas declarações, a ordem de transferência de 850 milhões já tinha sido dada pelo ministro das Finanças Mário Centeno. O primeiro-ministro pediu desculpas pela informação errada, mas a novela arrastou-se, com Mário Centeno a alegar o mero cumprimento de uma obrigação contratual e que as operações do banco tinham sido suficientemente auditadas. A partir da noite de 13 de maio, em que Costa e Centeno estiveram reunidos, esse voltou a ser também o discurso do primeiro-ministro, que deu o dito por não dito. De um dia para o outro, todo o Governo voltou à narrativa que mantém desde a entrega do Novo Banco ao fundo Lone Star, garantindo que foi a solução "possível", e que os interesses do Estado foram acautelados.

Do outro lado manteve-se também quem, como o Bloco de Esquerda, sempre contestou o negócio. Em primeiro lugar porque o Estado abdicou da propriedade de um banco que pagou bem caro ao longo dos últimos anos. Em segundo porque o contrato de venda promove um conflito de interesses, em que o privado tem liberdade para gerir o banco contra o interesse público. Foi por esta razão que, depois de rejeitadas as propostas para impedir e reverter a venda, defendemos que o Estado não deveria financiar o Novo Banco sem uma auditoria à sua gestão.

As suspeitas de venda de ativos ao desbarato não surgiram ontem, foram suscitadas desde o momento do próprio contrato - o tal que António Costa e Mário Centeno tantas vezes defenderam no Parlamento

Ao longo dos últimos anos, todas as dúvidas sobre quem e a que preço estavam a ser vendidos os ativos do Novo Banco foram descartadas, com Governo, Banco de Portugal e Fundo de Resolução a insistirem, contra todas as evidências, que o modelo de venda previa suficientes formas de fiscalização.

Agora, depois do Novo Banco ter absorvido a maior parte da garantia de 3900 milhões concedida pelo Estado, o primeiro-ministro pede à Procuradoria-Geral da República que suspenda as vendas de ativos do Novo Banco até conhecer a auditoria. Não discordo da medida - tudo o que puder ser feito para travar estas negociatas deve ser feito - questiono apenas o momento dela e o seu significado. As suspeitas de venda de ativos ao desbarato não surgiram ontem, foram suscitadas desde o momento do próprio contrato - o tal que António Costa e Mário Centeno tantas vezes defenderam no Parlamento. Será que o primeiro-ministro finalmente descobriu a pólvora e se arrependeu do negócio?

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 28 de julho de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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