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E quando a segurança falha às pessoas?

Se algo nos ensina a crise de segurança nos EUA ou em França, é que se se abandonam as políticas sociais não se consegue correr atrás do prejuízo.

O assassinato de George Floyd desencadeou as maiores manifestações das últimas décadas nos Estados Unidos. Afirma o “New York Times” que entre 16 e 25 milhões de pessoas participaram nos protestos, mais do que nas marchas pelos direitos cívicos do último quartel do século XX. Entretanto, vários agentes respondem em tribunal por esta morte e diversas cidades estão a rever a sua organização policial. A Câmara Municipal de Camden, na Nova Jérsia, EUA, decidiu despedir todos os polícias e reconstituir o departamento a partir de novas contratações. O que é que se passa com estes sistemas de segurança?

Crime e castigo

Quando em campanha eleitoral, Obama lembrou que um quarto da população prisional do mundo, 2,2 milhões de pessoas, está nos cárceres norte-americanos. A taxa de encarceração no país é de 730 por 100 mil habitantes (na Rússia é de 610, com 874 mil presos, na China é de 118, com 1,5 milhões de presos, em Portugal é maior, mas já lá vou). O sistema tem que ser corrigido, dizia o candidato. Não se passou nada.

Existe uma longa tradição de soluções carcerárias nos Estados Unidos, que se alimenta de uma diferenciação: os negros são 40% da população prisional. Os responsáveis políticos têm usado essa fronteira para as suas campanhas, sendo de recordar que Clinton, em 1992, perante a revolta em Los Angeles quando foi revelado o espancamento de Rodney King, afirmava que os manifestantes “já não são de forma alguma parte do sistema. Não partilham dos nossos valores, os seus filhos crescem numa cultura diferente da nossa, sem família, sem vizinhos, sem igreja, sem apoio”. O futuro Presidente concluía que se deveria “terminar o estado de bem-estar tal como o conhecemos”. Com Obama, essa atitude não se modificou. Rahm Emanuel, que foi chefe de gabinete de Obama e depois mayor de Chicago, terminou o seu mandato com uma crise quando se soube que a polícia tinha ocultado a morte de um jovem negro, Laquan McDonald.

A espiral de crise social assim gerada, acumulando-se com a promoção do uso de armas, tem conduzido à redução das políticas sociais. Em Los Angeles, o departamento policial gasta 53% dos fundos da cidade, em Chicago são 29%. Prudentemente, alguns sindicatos de polícias têm defendido que parte desses fundos seja agora usada na segurança social.

A Europa mora ao lado

Há meia dúzia de anos foi revelada uma ordem do comando da polícia de um bairro de Paris que determinava que os agentes fossem deter ciganos na rua (com Sarkozy e Hollande houve mediáticas operações de expulsão de ciganos, incluindo retirando crianças de escolas). Segundo um livro publicado há meses por Fabrice Dhume, da Universidade de Paris Diderot, existe um enviesamento étnico que leva a que, nas mesmas condições, um negro em Paris tenha cinco vezes mais probabilidades de ser interpelado pelas autoridades na rua do que um branco, e um magrebino nove vezes mais. E há uma leitura política: em França, 51% dos polícias votaram em Le Pen nas presidenciais e vários sindicatos de polícias foram investigados por suspeitas de se terem transformado em milícias criminosas. Na Alemanha, a ministra da Defesa anunciou este mês a dissolução de uma unidade militar de elite, a KSK, por estar infiltrada por grupos nazis. Temos aqui um problema.

Em Portugal, onde os números da criminalidade grave se reduziram em 42% entre 2008 e 2018 (em 2019 subiram 3%), temos 125 presos por 100 mil habitantes, embora a média na Europa seja de 106. E temos uma duração média de encarceramento de 32 meses, na Europa é de oito meses. Ora, se algo nos ensina a crise de segurança nos EUA ou em França, é que se se abandonam as políticas sociais não se consegue correr atrás do prejuízo. A segurança começa antes da porta da prisão.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 18 de julho de 2020

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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