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Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores infetada com o novo coronavírus

O novo SARS-Cov-19 também infetou a Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores e veio demonstrar que esta não passa de um fundo privado de pensões para alguns privilegiados e que a vacina do assistencialismo continua a ser recusada.

A questão da Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores (CPAS) não é recente e, hoje mais do que nunca, é urgente apresentar-se uma resposta maturada. O diagnóstico é claro: o novo SARS-Cov-19 também infetou a CPAS e veio demonstrar que esta não passa de um fundo privado de pensões para alguns privilegiados e que a vacina do assistencialismo continua a ser recusada.

A CPAS é o único sistema previdencial em Portugal e apresenta problemas estruturais, que não serão resolvidos com uma injeção de fontes alternativas de financiamento

Hoje, a Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores (CPAS) é o único sistema previdencial em Portugal e apresenta problemas estruturais, que não serão resolvidos com uma injeção de fontes alternativas de financiamento, como ocorria anteriormente com a procuradoria e como algumas vozes recomendam. A crise pandémica causada pelo novo coronavírus veio confirmar um facto inilidível: a CPAS não tem qualquer tipo de caráter assistencialista, tendo, basicamente, a finalidade de assegurar o pagamento de pensões por reforma ou invalidez aos seus membros e pouco mais que isso.

Resumidamente, a CPAS é um sistema de repartição, intergeracional, no qual as contribuições dos profissionais no ativo financiam as pensões dos profissionais aposentados, deixando os primeiros numa situação de previdência social absolutamente insustentável, tal como se viu agora com o novo coronavírus, em que milhares de advogados, solicitadores e agentes de execução se viram sem qualquer tipo de apoio.

No momento em que a CPAS foi criada, o enquadramento previdencial e assistencialista era muito diferente no nosso país, aliás o próprio Estado tinha uma posição completamente oposta à que tem hoje no que diz respeito à componente social dos seus cidadãos, razão pela qual os sistemas previdenciais regulavam esta componente e eram efetivamente necessários.

os tempos evoluíram e este sistema não foi capaz de acompanhar as várias mudanças que foram ocorrendo, nomeadamente as diferentes formas de exercício das profissões em causa

Contudo, os tempos evoluíram e este sistema não foi capaz de acompanhar as várias mudanças que foram ocorrendo, nomeadamente as diferentes formas de exercício das profissões em causa. Atualmente, assiste-se cada vez mais a uma laboralização e precarização da advocacia e a CPAS, assim como a Ordem dos Advogados, não foi capaz de garantir respostas adequadas e diferentes, tal como não foi ainda capaz de garantir uma resposta diferente para os milhares de advogados que trabalham em prática isolada – exercício todo ele diferente da prática societária. A Caixa está parada no tempo e é oca para a maioria deste profissionais.

Não obstante, todos os anos centenas de novos advogados, solicitadores e agentes de execução são obrigados a inscrever-se na CPAS e a descontar para a mesma (não podem escolher entre a Segurança Social e a Caixa, essa liberdade não existe), de modo a alimentar os seus cofres, que pagam chorudas pensões a uma restrita elite, enquanto que os profissionais no ativo descontam, no mínimo, €250,00 por mês, independentemente do que efetivamente auferiram (escusado será dizer a quem interessa manter este sistema).

Mas a Caixa padece de outros vírus, tais como a presunção de rendimentos – os profissionais que descontam para a CPAS descontam com base em rendimentos presumidos -, a falta de apoio nas situações de doença, maternidade, paternidade, a obrigação de quem trabalha por conta de outrem ter de descontar simultaneamente para a CPAS e para a Segurança Social e a impossibilidade de resgate das contribuições caso um destes profissionais deixe de exercer.

os advogados, solicitadores e agentes de execução, até há relativamente pouco tempo, foram das poucas classes profissionais sem medidas de apoio de qualquer tipo ou espécie

Sucede que, por descontarem para uma Caixa de Previdência própria, os advogados, solicitadores e agentes de execução, até há relativamente pouco tempo, foram das poucas classes profissionais sem medidas de apoio de qualquer tipo ou espécie, negligenciados pela atual Direção da CPAS que pouco ou nada fez para aliviar as dificuldades sentidas por quem não podia pagar as suas contribuições, mesmo com as portas dos escritórios e tribunais fechadas, sobrecarregando as contas familiares de milhares de profissionais com as suas contribuições que nem capaz foi de suspender durante os meses de confinamento.

Não obstante, a Direção da CPAS assegura que a saúde da Caixa está boa e recomenda-se e que, de acordo com o seu Relatório de Sustentabilidade – elaborado segundo indicações da própria CPAS -, há dinheiro para pagar as pensões nos próximos 15 anos. Ora, acontece que as despesas da Caixa com outros benefícios continuam a ser desconsideradas, assim como aquelas a que se arroga no futuro, nomeadamente com o mítico Seguro de Saúde.

A atual Direção da Caixa quer-nos fazer crer que, ao apresentar um lucro de 18 milhões em 2019, se encontra no bom caminho, mas estes números não passam de uma tentativa de atirar areia para os olhos dos beneficiários, cujas contribuições, juntamente com o património próprio da CPAS, já não são suficientes, por si só, para pagar as pensões e despesas da mesma. O défice permanece e a Caixa nem capacidade teve para suspender o pagamento das contribuições durante os meses de Abril e Maio.

Qual o propósito de manter um fundo de pensões que está praticamente falido e não corresponde à proteção social que as pessoas precisam?

Qual o propósito de manter um fundo de pensões que está praticamente falido e não corresponde à proteção social que as pessoas precisam? A insistência da CPAS em manter o status quo em plena crise, veio demonstrar que a sua Direção se encontra completamente desfasada do quotidiano de milhares de advogados, solicitadores e agentes de execução portugueses, revelando uma grande insensibilidade social e descredibilizando-a junto daqueles que com ela contavam.

O caminho a seguir para assegurar o futuro destes profissionais parece ser, cada vez mais, o da aproximação à Segurança Social ou o da integração da CPAS na mesma. Logicamente que esta questão tem de ser refletida, respeitando os profissionais que lutaram pela sua proteção na velhice, mas a Segurança Social é inegavelmente mais justa, disponibiliza um maior número de benefícios e dispõe de soluções de recurso para evitar o seu colapso. A CPAS não poderá dizer o mesmo.

Depois de demonstrar a sua incapacidade, a atual e prepotente Direção da CPAS que se demita e convoque eleições, que dê lugar a uma verdadeira abertura para discutir o futuro destas classes profissionais. Se a conclusão for a integração na Segurança Social, pois que se negoceie e integre a única Caixa de Previdência deste país. No cenário atual, e o mais rapidamente possível, a questão do futuro da CPAS tem impreterivelmente de ser debatida e solucionada, caso contrário nem esta ‘’previdência’’ haverá para estes profissionais de extrema importância num Estado que se diz de Direito.

Sobre o/a autor(a)

Advogado, mestre em direito criminal.
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