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O ódio é uma doença

Mais alguns ossos de esqueletos a sair do armário.

Desde que a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, avançou com a garantia de que o discurso de ódio nas plataformas online iria ser monitorizado, protofachos e mini-trumps soltaram angústias existencialistas sobre a sua visão da vida em liberdade, para eles um parente próximo da lei da selva.

No momento em que o Chega oficializa a sua ligação à extrema-direita europeia de Salvini e Le Pen, caem todas as máscaras. O ódio é uma doença e tem de ser tratado

Pode haver uma lógica oculta naqueles que trazem a liberdade na boca para a quererem ver espezinhada todos os dias pelo ódio, racismo, xenofobia, "fake news", teorias da conspiração, assédio, homofobia, misoginia, difamação ou incitação à violência. Essa lógica é a de usarem a nossa liberdade para imporem o discurso que acabará por a suprimir. A História repete-se mais vezes do que os contos que redizemos às crianças para adormecer. Para os adultos, basta contar carneirinhos, dizem.

Estranhamente ou não, há quem alinhe nesta lógica de nada fazer até que tudo rebente. A posição da Iniciativa Liberal (IL) relativamente à iniciativa anunciada pela ministra vem dar razão a quem os acusava de fanatismo económico-religioso. Aqui, pior ainda: entramos no campo da defesa da civilização e do combate à barbárie.

A IL escolheu o caminho que não traça diferenças entre a não regulação do mercado económico e a não regulação do discurso criminoso de ódio e de desinformação que, em última análise, matará toda a liberdade. Vale tudo. Esta incapacidade de discernir entre coisas evidentemente diferentes é, como referia o ministro Pedro Nuno Santos a propósito do dossier da TAP, mais uma irresponsabilidade. Só que esta, civilizacional, incompreensível e que os encosta à pior das companhias e das bandeiras.

Num mundo onde as "fake news" podem ganhar eleições, é bom saber quem está conivente. Este é o momento em que o YouTube eliminou milhares de canais e contas de extrema-direita que disseminavam o ódio, alguns deles ligados a supremacistas brancos. O Reddit fez o mesmo.

O Twitter usa um "fact check" em Donald Trump e já removeu alguns dos seus tweets. O Twitch suspendeu temporariamente a conta de Trump por comentários racistas e de ódio contra as minorias. O Snapchat assegurou que não promoveria mais as suas mensagens. Dezenas de marcas retiraram publicidade de redes sociais, como o Facebook ou Instagram, que ainda compactuam com a proliferação deste tipo de conteúdos criminosos. Este é o momento de tomar opções.

Há quem prefira assobiar para o ar, enquanto mastiga a sua liberdade de pacotilha como sendo a última bolacha do pacote. Só quem quiser continuar a assistir ou quiser continuar a pactuar. No momento em que o Chega oficializa a sua ligação à extrema-direita europeia de Salvini e Le Pen, caem todas as máscaras. O ódio é uma doença e tem de ser tratado. Mas não à custa da exaltação dos efeitos secundários da bula. Extirpe-se.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 3 de julho de 2020

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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