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EDP: aperta-se o cerco

No processo judicial que ameaça tirar António Mexia da presidência executiva da EDP e Manso Neto da EDP Renováveis, o Ministério Público imputou a ambos a prática de quatro crimes de corrupção ativa e de um crime de participação económica em negócio.

A história é longa. Entre o final dos anos 90 e o período da troika, os governos PS/PSD/CDS privatizaram todas as empresas estratégicas do país, da Banca aos aeroportos, da eletricidade aos correios. Para isso, apoiaram-se numa narrativa, muito em voga na Europa, que caricaturava as empresas públicas como ineficientes e corruptas, geridas por burocratas incompetentes. Propunha-se, em alternativa, um modelo de "capitalismo popular", onde os cidadãos se podiam tornar investidores da bolsa, a par dos grandes grupos económicos nacionais, e as empresas seriam administradas por gestores profissionais. António Mexia, há 15 anos na EDP, ou Zeinal Bava, a estrela da PT, não foram simples gestores, mas os símbolos deste novo capitalismo português.

Foram precisas duas décadas, e a destruição de várias dessas empresas - como a PT ou a Cimpor -, para que a fraude ficasse à vista. O novo modelo enriqueceu gestores e grupos económicos, mas o país viu mais corrupção e menos capacidade produtiva e autonomia estratégica. Não se enganem, o objetivo nunca foi "retirar o Estado na economia". As relações entre o Estado e o privado não terminaram, só se tornaram mais obscuras e parasitárias, como o caso da EDP demonstra.

Os tribunais farão o julgamento destes crimes, mas deve ser lembrado que antes das conclusões criminais, o Parlamento apurou enormes consequências económicas da política de privilégio e rendas excessivas que se verifica há mais de duas décadas a favor do setor elétrico e, em particular, da EDP e dos seus donos privados.

A Comissão de Inquérito apurou que a privatização da EDP se fez a favor dos futuros acionistas que exigiram a assinatura de contratos com altas rentabilidades garantidas (os CAE). Esses contratos foram sendo alterados, passaram a chamar-se CMEC, sempre com enormes vantagens financeiras para a EDP. Depois veio o negócio das barragens, em que a EDP saiu beneficiada. No centro desses negócios, que estão agora sob investigação, esteve sempre a influência política, a porta giratória de governantes e assessores para a folha de pagamentos da EDP.

A comissão de inquérito concluiu e fez recomendações que o PS aprovou, para logo depois as colocar na gaveta. Se a Justiça demora, a política não tem porque esperar para reverter o privilégio e ressarcir os consumidores.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 9 de junho de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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