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Linha circular: mais metro mas mais longe

A Linha Circular no Metro de Lisboa tem provocado inúmera controvérsia pela importância do projeto, mas também pelos falsos argumentos com que o Governo e, em particular, o Ministro Pedro Matos Fernandes tem brindado todos os que se opõem ao mesmo.

A Linha Circular no Metro de Lisboa tem provocado inúmera controvérsia não apenas pela importância do projeto em si mesmo, mas também pelos falsos argumentos com que o Governo e, em particular, o Ministro Pedro Matos Fernandes (PMF) tem brindado todos os que se opõem ao mesmo. Apesar de parecer muito incomodado com a controvérsia, o ministro vem avançando com verdadeiras provocações recorrendo à política do facto consumado para tornar a obra irreversível.

Travar a linha circular no ML é uma questão de bom senso e de bom uso dos dinheiros públicos

Uma primeira expressão dessas provocações foi a publicação de um despacho da autoria de PMF, segundo o qual “o Governo mantém o projeto da linha circular do Metropolitano de Lisboa, que o Parlamento suspendeu em fevereiro”. Não surpreende que o Governo reafirme o projeto, mas, o que deixa qualquer pessoa perplexa, é o que se escreve a seguir: “(…) que o Parlamento suspendeu em fevereiro”. Como?

Como se sabe, um Ministro não pode revogar, através de um despacho, um artigo (282º) da Lei do OE 2020. No artigo estabelece-se que “o Governo promoverá em 2020 as medidas necessárias junto da empresa ML para suspender o processo de construção da Linha Circular entre o Cais do Sodré e o Campo Grande, devendo ser dada prioridade à expansão da rede de metropolitano até Loures, bem como para Alcântara e a zona ocidental de Lisboa”.

a AR não aprovou apenas a suspensão da Linha Circular, mas também a obrigatoriedade de estudar alternativas, tais como a extensão do Metro para Loures e para Alcântara

Com a aprovação desse artigo a AR tratou de emendar a mão do Governo numa matéria cuja discussão se arrastou desde a legislatura anterior. Ao contrário do que o ministro afirma, erradamente secundado por algumas vozes na comunicação social, a AR não aprovou apenas a suspensão da Linha Circular, mas também a obrigatoriedade de estudar alternativas, tais como a extensão do Metro para Loures e para Alcântara, assim como uma avaliação comparativa entre a extensão até Alcântara versus Linha Circular.

Várias são as razões para considerar que, com este investimento errado, em vez de termos uma solução em que todos ganham, do tipo “mais Metro, mais perto”, teremos uma situação em que alguns ganham, mas muitos perdem. O resultado é “mais Metro mas mais longe”.

Pior Metro porque mais longe

Até agora, a rede do Metropolitano de Lisboa é composta por 4 linhas, sendo três radiais convergindo para o centro da cidade (linhas verde, amarela e azul) e uma linha transversal (vermelha) que cruza as restantes em pontos que formam uma primeira circular interna da cidade. É uma rede pequena (44 kms) face à dimensão da Área Metropolitana que serve. Comparando com outras redes de metro na Europa, o ML ocupa o 14º lugar no conjunto das 19 capitais europeias que têm Metro. Apesar de evidentes debilidades de cobertura geográfica especialmente na parte ocidental, a rede de metro distribui-se ao longo de três corredores de penetração localizados a NW-N-NE da cidade, garantindo uma acessibilidade ao Centro em condições relativamente equivalentes. Esta situação será alterada profundamente se e quando a linha circular for construída.

Uma das consequências imediatas será a de penalizar fortemente os milhares de utilizadores do metro com origem no corredor Norte de acesso a Lisboa – Odivelas-Loures-Mafra

Uma das consequências imediatas será a de penalizar fortemente os milhares de utilizadores do metro com origem no corredor Norte de acesso a Lisboa – Odivelas-Loures-Mafra. Para estes, vai deixar de haver ligação direta ao Centro, obrigando a um transbordo no Campo Grande, implicando grandes aumentos dos tempos de cada viagem face à situação anterior: tempo de percurso + transbordo + tempo de espera.

Isto acontecerá precisamente no corredor mais desfavorecido em matéria de opções modais nas viagens para/de Lisboa, oriundas da periferia Norte da cidade. De facto, recorrendo a uma comparação simples, o corredor de Vila Franca ou o de Sintra, têm a opção do comboio, mas o corredor de Odivelas/Loures, não. O que existe em termos ferroviários (ML) é já de si bastante limitado (2 estações) e fica-se por Odivelas. Neste caso, verifica-se o maior desequilíbrio entre o número de viagens em transporte individual (TI) e em transporte público (TP). Com a linha circular, esta situação vai agravar-se. E a prometida expansão do metro para Loures será, de novo, adiada.

O Ministro PMF refere que a linha circular fazia parte do Plano de Expansão da rede do Metropolitano de Lisboa 2010-2020, aprovado por um Despacho do MOPTC do Governo da altura (referido com data de 11/09/2009). Agora “apenas se trata de aplicar o que já estava aprovado”.

Falso. O “agora” tem “só” 10 anos de distância…E o “aprovado” tem muito que se lhe diga. Não interessa que esse “Plano” não se encontre nas várias séries do Diário da República (1ª, 2ª ou 3ª Série) desse ano de 2009, existindo por isso fortes suspeitas que o dito nunca tenha sido realmente aprovado. Não interessa que, para além desse suposto Plano (cujo documento sumiu…), 2009 tenha sido um ano pródigo em anúncios da ex-Secretária de Estado dos Transportes, com apresentações sucessivas de “planos” para a extensão do ML em muitas direções, tais como:

  1. A extensão da linha amarela em duas direções - para Norte, de Odivelas até Loures/Infantado e para Sul, do Rato até Alcântara-Mar, via Estrela e Infante Santo;

  2. A extensão da Linha Vermelha igualmente em duas direções: para Norte, um novo ramal de ligação até Moscavide-Sacavém e, para Oeste, ligação Aeroporto-Campo Grande, com o possível prolongamento por Telheiras até à Pontinha com 3 novas estações - Fernando Namora, Senhora da Luz e Bairro Padre Cruz; para SW, a partir de São Sebastião, nova linha para Campolide, Amoreiras, Campo de Ourique, Prazeres e Alvito (interface com o comboio Eixo Ferroviário NS);

  3. A criação de uma linha circular cuja implantação não seria feita via linha amarela, mas sim via linha verde, a partir do Cais do Sodré para Santos, São Bento e Rato, onde retomaria o canal da atual linha amarela até Campo Grande.

Estas hipóteses de evolução da rede estão longe de esgotar os vários cenários que foram anunciados em diversas ocasiões. É público que houve uma catadupa de “decisões” do governo Sócrates que nunca saíram da gaveta e que apenas serviram para compor o programa eleitoral do PS nas eleições seguintes. Estava-se no domínio do delírio expansionista do ML. Mas escolher uma hipótese entre muitas apenas “porque sim” é prolongar o delírio.

Os equívocos à volta da Linha Circular

O “argumento” de PMF que a decisão da linha circular já vinha desde 2009 é uma falácia. Foi de facto apresentada pela ex-SET mas depois, muitas pessoas se referem a um famoso despacho do MOPTC (11/09/2009, exatamente 15 dias antes das eleições de 27/09/2009) mas ninguém sabe o número do mesmo, além de que o governo seguinte, que continuou a ser do PS e liderado por Sócrates, nada fez para levar por diante esse dito Plano, nem sequer, por exemplo, submeteu qualquer projeto a uma candidatura para acesso a fundos comunitários.

Por outro lado, retomar a mesma ideia 10 anos depois sem qualquer reavaliação das alternativas é prestar um mau serviço aos transportes na cidade e na região. Para além de ser uma questão de bom senso perceber a natureza do crescimento demográfico na cidade e na região, é inquestionável que o perfil da mobilidade motorizada na AML sofreu grandes transformações no período, nomeadamente ao nível do uso mais intensivo do automóvel nas deslocações pendulares em todos os corredores de penetração em Lisboa. Essa mudança confirma-se na análise aos resultados do IMOB2017 (Inquérito à Mobilidade na AML e AMP).

Surpreendentemente, o Ministério do Ambiente aceitou um estudo sobre a procura potencial relacionada com a linha circular, incluído no Estudo de Impacte Ambiental (EIA), apoiado em dados da mobilidade constantes do Census 2011 e não na informação que estava a ser recolhida no mesmo momento para o IMOB2017.

Pode ser que o Sr. Ministro tenha sido mal aconselhado. Mas aprovar um EIA que aceita uma caracterização de padrões de mobilidade e de deslocações origem/destino na região e na cidade extrapolando uma realidade de 2011, quando, ainda por cima, alguns dias depois (2 de julho), essa caracterização foi posta em causa pelos resultados provisórios do IMOB2017, é, no mínimo, um grave erro de decisão. Para um ministro que apregoa rigor e consistência nas decisões que toma, não deixa de ser estranha a “pressa” com que o PMF tudo fez, e continua a fazer, para tornar irreversível a linha circular.

O rigor aconselharia a que, pelo menos a informação de base que serviu para o estudo de transportes, integrante do EIA, tivesse sido calibrada com as informações do IMOB2017 e, desta forma, as projeções da procura tivessem maior aderência à realidade. O facto de ter assistido à divulgação dos resultados do IMOB no Porto não serviu de alerta para PMF, pelo que nada mudou, entretanto, e o EIA seguiu para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que, em apenas 4 meses (!), emitiu uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável, exatamente no mesmo dia em que os resultados definitivos do IMBO2017 foram publicados: 27/11/2018.

Mas não é só por causa de um estudo de transportes mal fundamentado que a avaliação do projeto da linha circular está tecnicamente errada. Igualmente, além das “alternativas” para o projeto da Linha Circular, não foram avaliadas outras hipóteses, como seja a que constava do dito “Plano de 2009”: fazer a linha circular através do prolongamento da linha verde desde o Cais do Sodré até ao Rato, sem cortar a linha amarela a meio do percurso.

A recusa do Ministro PMF em confrontar-se com outras opiniões e propostas revelou-se insulto ao debate democrático. Com grande arrogância, o Ministro ignorou olimpicamente o facto de as câmaras municipais que se localizam a Norte de Lisboa (Odivelas, Loures e Mafra) todas estarem contra o projeto. Também na câmara de Lisboa e na Assembleia da República houve vozes dissonantes no PS, reclamando pelo estudo de alternativas.

Constitui um mistério as razões por que não se avaliaram alternativas reais no EIA. Uma linha circular pelo prolongamento da atual linha verde a partir do Cais do Sodré seria uma hipótese. Outra, seria manter a rede como está, e avaliar a extensão da linha amarela até Alcântara, com estações na Estrela, Infante Santo e Alcântara (era o que estava previsto no dito “Plano de 2009”).

A “nova” linha circular, ligando 3 linhas radiais que já estavam ligadas entre si, custará ao Estado 240 M€ de investimento público (que é algo que há a rodos no nosso país) só para fazer 1,9 kms de linha!

Em vez disso, as “alternativas” que foram consideradas constituem um verda,deiro simulacro. Será mais ou menos o mesmo que escolher entre batatas com arroz ou arroz com batatas. Na realidade tratou-se do estudo de duas variantes para a mesma opção pré-existente: a transformação da linha amarela num ramal de ligação à linha circular no Campo Grande e o prolongamento da nova linha verde a partir do Rato até ao Cais do Sodré. A “nova” linha circular, ligando 3 linhas radiais que já estavam ligadas entre si, custará ao Estado 240 M€ de investimento público (que é algo que há a rodos no nosso país) só para fazer 1,9 kms de linha!

Com o mesmo dinheiro fazia-se mais e muito melhor Metro, noutra zona da cidade. Para isso, era preciso que o Sr. Ministro não fugisse do debate e da avaliação de alternativas, tal como a Assembleia da República aprovou no art. 282º da Lei do OE 2020. Como nada disso aconteceu, o estudo cheira a encomendado.

A ponderação do investimento de, pelo menos, a alternativa que tem sido apontada constituída pela extensão da Linha amarela deveria ser obrigatória para uma boa decisão sobre esta matéria: linha circular versus linha amarela até Alcântara (a Sul) e para Loures (a Norte). Para cada uma destas opções haveria que projetar o potencial de captação da procura, os benefícios diretos e indiretos para os utilizadores e o conjunto da rede, bem como a avaliação dos custos e receitas do investimento.

São conhecidas quatro vantagens associadas à extensão da linha amarela até Alcântara e Loures: a) reduzir a carga de passageiros no Cais do Sodré com a criação de uma nova interface multimodal com a linha de Cascais/CP; b) criar uma ligação direta com o centro da cidade via Rato-Marquês de Pombal-Av. República; c) melhorar a cobertura da rede de Metro na zona ocidental de Lisboa; d) aumentar a captação de procura para o Metro estendendo a cobertura para mais um concelho a Norte de Lisboa: Loures.

Os argumentos em favor da linha circular

O grande argumento invocado por PMF para justificar esta linha está no ganho de +8,9 milhões de passageiros/ano (+5,0%). Azar do Sr. Ministro: 9 meses depois da aprovação do EIA, a evolução dos transportes públicos na AML e em Lisboa veio demolir todos os pressupostos em que se baseou a escolha da linha circular como a melhor para o aumento da procura do ML.

Percebe-se a seguir que estamos perante um argumento pífio. E bastou uma medida do Governo, aprovada pela maioria da esquerda parlamentar da AR no final do ano de 2018 (no mesmo dia em que foi publicada a DIA do projeto) para introduzir entropia nas decisões do MA.

Essa medida foi a aprovação do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART), que permitiu uma redução tarifária radical no preço dos passes sociais. Com essa redução de preços, a procura em todos os modos de transporte disparou, e o ML, em apenas 9 meses, registou um aumento de +15 milhões de passageiros no ano de 2019, ou seja, +33% do acréscimo previsto para um ano=12 meses de passageiros na futura linha circular!

O estudo de transportes apresentado pelo consultor dedica-se a justificar que, entre a “solução” de duas linhas semicirculares independentes que se tocam no Campo Grande e no Cais do Sodré ou a “solução” preferida para a linha circular, a diferença é verdadeiramente de pormenor: trata-se de +3 milhões de passageiros/ano, equivalente a uma média +8.383 passageiros/dia, o que equivale, numa hora de ponta, a uma diferença média de cerca de +/- 800 passageiros e de 50 passageiros por cada comboio! Ou seja, uma diferença irrisória!

Estes números mostram que, para qualquer destas duas variantes, a “solução” da linha circular é uma não-solução. Se houvesse seriedade na decisão, a conclusão deste estudo deveria aconselhar os seus autores a procurar se para o desenvolvimento da rede do metro não haveria outras soluções mais robustas para justificar um investimento absolutamente faraónico. Com a vantagem de, entretanto, ser possível atualizar a base de dados de partida para produzir o estudo de alternativas reais.

Nestas condições, recusar a reanálise de todo o processo e “suspender”, através de um despacho burocrático, as normas sobre o desenvolvimento da rede do Metro, incluídas na Lei do OE2020, é absolutamente intolerável.

Nota-se aqui uma apreciação crítica subliminar da Comissária Elisa Ferreira ao projeto da linha circular quando faz referência a outros projetos de “expansão da rede”…

Outro “argumento” invocado por PMF para manter a escolha seria o risco de não ser possível à Comissão Europeia realocar as verbas destinadas à linha circular para outro projeto de expansão do ML. Pura mentira. A própria Comissária Europeia Elisa Ferreira veio reconhecer que “os 83 M€ alocados ao cofinanciamento do projeto da linha circular do metropolitano de Lisboa podem, por decisão das autoridades portuguesas, ser reafectados a outros projetos, designadamente de expansão da rede”.

Nota-se aqui uma apreciação crítica subliminar da Comissária Elisa Ferreira ao projeto da linha circular quando faz referência a outros projetos de “expansão da rede”… E se o Ministro PMF não fosse teimoso, essa meia palavra da Comissária bastaria para reavaliar um projeto de 240 M€ (126 M€ por km, um dos projetos mais caros do mundo!).

Razões não faltam. O próprio EIA fornece algumas. Por exemplo, implantar uma linha numa zona histórica da cidade, já razoavelmente coberta por vários modos de transporte (autocarros e elétricos, comboio na Av. 24 de Julho), é como chover no molhado. A isto acresce os impactes altamente negativos que a dimensão e a extensão das obras vão provocar na zona de Santos/Cais do Sodré, pelo menos, durante 4 longos anos (se não houver derrapagens!).

Durante esse tempo, o caos urbano passará a fazer parte do quotidiano dos lisboetas, tanto residentes como transeuntes, agravado pelo facto do Cais do Sodré ser uma plataforma absolutamente central na distribuição dos fluxos de passageiros por toda a cidade. O que aguarda aos largos milhares de passageiros que chegam ao Cais do Sodré para seguirem para outros pontos da cidade, fazendo transbordo para outros transportes como elétricos, autocarros ou metro, são grandes atrasos e incómodos os quais, de resto, também não foram devidamente contabilizados nos totais dos custos indiretos do projeto. Os efeitos negativos sentir-se-ão especialmente na construção do túnel entre Santos-Cais do Sodré, que será feita a céu aberto, obrigando a grandes desvios de tráfego, quer ao nível do TI, como dos vários modos de TP.

Exemplos cidades com Linhas Circulares na União Europeia

Não são muitos os casos da existência de linhas circulares na União Europeia, mas de facto elas existem. O conhecimento dessas realidades pode ajudar-nos a perceber o erro que se está a cometer.

Em todos os metropolitanos onde existem linhas circulares, estas funcionam no contexto de redes de metro com, pelo menos, uma dezena de linhas

Em todos os metropolitanos onde existem linhas circulares, estas funcionam no contexto de redes de metro com, pelo menos, uma dezena de linhas. Londres é um caso de uma rede com 12 linhas, a que se acrescentam 4 linhas automatizadas de Metro Ligeiro de Superfície (Docklands Light Rails) num total de 400 kms de extensão, tinha uma linha circular (a Circle Line) mas que, recentemente, deixou de funcionar como linha circular para passar a ter dois ramais semicirculares com duas O/D em pontos equidistantes da City.

Por sua vez, o metro de Paris tem 16 linhas, uma extensão de 213 kms e só agora irá ser construída uma linha circular, exterior ao perímetro urbano da cidade. Esta linha irá proporcionar transferências entre linhas radiais e transversais em pontos da rede relativamente equidistantes do centro da cidade, tornando assim eficiente o transbordo entre linhas para destinos/origens que se localizam em zonas ou direções fora do centro da cidade.

O metro de Moscovo com 16 linhas, que compõem uma rede com uma extensão total de 346 kms, tem uma linha circular com a configuração de um círculo perfeito intersetando todas as outras.

Casos de grandes cidades sem linhas circulares: Madrid - metro com 12 linhas, uma extensão de 284 kms de rede, tem uma linha circular, mas exterior a Madrid, designada por Metrosur (Linha 12) com 41 km de comprimento. Nova York – metro com 24 linhas, 369 kms de extensão da rede, não tem linha circular, possivelmente dada a configuração da ilha de Manhattan.

O “azar dos Távoras” ou um mal nunca vem só

Mas o infortúnio do Sr. Ministro PMF, tal como o azar dos Távoras, não acaba no truque de fazer um “estudo” para justificar uma decisão previamente tomada. Este método, infelizmente, não é novo com este governo.

Com a avaliação do aeroporto do Montijo, a asneira repetiu-se. Fez-se um EIA para viabilizar uma solução “baratucha” para um aeroporto complementar no Montijo, que satisfizesse a estratégia da ANA/VINCI que queria (e conseguiu) eximir-se a cumprir com o Caderno de Encargos da privatização, que incluía a obrigação de construção de um Novo Aeroporto de Lisboa (NAL). A “solução” Montijo tem duas grandes vantagens para a Vinci: a) é muito mais barata; b) permite que a Vinci ganhe em dois carrinhos pois é a principal acionista da Lusoponte que será o único acesso direto ao aeroporto do Montijo.

O azar do ministro PMF é que as decisões do Governo Sócrates servem para umas coisas (linha circular do ML) mas não servem para outras (aeroporto em Alcochete)

Era esta a única alternativa? É claro que não. O azar do ministro PMF é que as decisões do Governo Sócrates servem para umas coisas (linha circular do ML) mas não servem para outras (aeroporto em Alcochete). Azar dos Távoras: é que, no caso do aeroporto de Alcochete, há uma DIA favorável, emitida pela APA, no final de 2009 (válida, no mínimo, por 10 anos) e que resultou de um estudo sobre várias alternativas, conduzido pelo LNEC, recomendando a solução de Alcochete. Após a emissão da DIA favorável a Alcochete, sem grandes reservas, a mesma sofreu um veto de gaveta de 10 anos. Nos tempos modernos, dir-se-ia que a solução de Alcochete foi igualmente cativada. Só que a autoria é do Ministro Pedro Matos Fernandes.

A questão agora é de bom senso

Enquanto que o estudo de viabilidade da linha circular apresentava como “argumento” da sua rentabilidade o de poder captar um aumento de procura da ordem dos +5,0% (+/- 9 Milhões de passageiros/ano), o PART, que entrou em vigor em 1 de abril, foi responsável pelo Metro ter tido, no ano de 2019, um acréscimo de +18% na procura, ou seja, +29 Milhões passageiros.

Ou seja, uma medida de gestão de política de transportes, há muito reclamada por todos aqueles que se bateram para inverter a política do governo PSD/CDS, nomeadamente em matéria de política tarifária, teve efeitos muito mais positivos no aumento exponencial da procura do Metro do que o investimento faraónico que se prevê com a linha circular.

Com essa nova política tarifária foi possível travar e inverter a transferência de milhões de utilizadores dos TP para o TI observada no tempo do anterior governo por causa dos aumentos brutais de preços nos transportes. O resultado foi: menos carros a circular na região de Lisboa, menos poluição, menos engarrafamentos, muito mais pessoas a utilizar os transportes públicos. Com algum aumento da oferta nos TP, embora ainda bastante insuficiente, tudo isso veio introduzir uma mudança radical no perfil da mobilidade na região, arrastando também um efeito largamente positivo na melhoria da qualidade de vida, do ambiente e do desenvolvimento dos territórios. Com uma nova política tarifária todos ganharam, pelo que a mudança tem de continuar com uma nova política de investimento.

Essa mudança requer ainda que ela seja apoiada num grande programa de investimento público que recupere os atrasos do passado e enquadre o desenvolvimento dos vários modos de transporte numa estratégia comum de mobilidade para a região e a cidade, dando prioridade ao transporte ferroviário como alavanca essencial de resposta à emergência climática e um combate mais eficaz às alterações climáticas.

Não faz qualquer sentido que se olhe para o Metropolitano de Lisboa apenas como um transporte da cidade e não também com um transporte da região

Não faz qualquer sentido que se olhe para o Metropolitano de Lisboa apenas como um transporte da cidade e não também como um transporte da região. A opção da linha circular é uma opção que só olha para a cidade. É mais uma razão que torna a escolha profundamente errada.

Mas se o Metro de Lisboa deve ser olhado como um elemento estruturante da mobilidade na região e na cidade, então é injustificável que a decisão sobre os investimentos no Metro fique limitada ao Governo e à administração do Metro. Toda a Área Metropolitana de Lisboa (AML) deve ser chamada a pronunciar-se sobre os seus programas de investimentos.

Num processo de planeamento democrático para a próxima década, que se pretende o mais alargado possível a autarquias, associações de utentes ou do ambiente, sindicatos e CTs, operadores de transporte públicos e privados, todos devem ser chamados a participar nas mudanças necessárias à luz do alargamento do direito à mobilidade para todos e do combate às alterações climáticas.

Travar a linha circular não é apenas impedir que se abra uma ferida irreversível no ambiente da cidade, mas também um desperdício de capital num momento em que todos os recursos serão poucos

Travar a linha circular não é apenas impedir que se abra uma ferida irreversível no ambiente da cidade, mas também um desperdício de capital num momento em que todos os recursos serão poucos para ultrapassar a crise pandémica que vivemos e a recessão económica que já nos bate à porta. Travar a linha circular no ML é, em resumo, uma questão de bom senso e de bom uso dos dinheiros públicos.

Como diria o professor matemático Bento de Jesus Caraça “se não receio o erro, é porque estou sempre pronto a corrigi-lo”. Esperemos que o Governo se inspire em BJC e arrepie caminho na tendência para a asneira que, infelizmente, tem marcado o ministério de PMF em matéria de política de ambiente, mobilidade e transportes.

Artigo corrigido às 11h do dia 14 de maio de 2020

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Sobre o/a autor(a)

Economista de transportes
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