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Artes cénicas: discutir e propor medidas com as associações do sector

O sector paralisou com a crise pandémica, mas não parou a sua capacidade de pensar e apresentar propostas. A articulação entre as estruturas representativas do sector pode ser determinante para encontrar caminhos e soluções.

A crise originada pela pandemia do Covid19 veio afetar gravemente toda área cultural e agudizar os problemas dum sector que já antes vivia numa enorme precariedade e onde as organizações de criação e programação artística funcionavam apertadas num subfinanciamento crónico.

A crise surgiu na altura em que uma das estruturas representativas dos profissionais das artes cénicas se encontrava em processo de mudança diretiva e discussão interna – a Plateia Associação dos Profissionais das Artes Cénicas – ficando o sector apenas representado pela REDE Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea, pelo CENA/STE, cuja ação sindical se centra na defesa dos direitos dos profissionais da área e pela PERFORMART que representa diversas organizações incluindo instituições públicas tuteladas pelo estado ou por autarquias.

Por norma, a Rede e a Plateia respondem rapidamente às diversas situações que se colocam ao sector, reagindo com discurso crítico e propositivo. Desta vez as respostas não foram tão prontas, criando uma sensação de vazio que talvez tenha contribuído para o aparecimento de diversos grupos e movimentos que, nomeadamente através de manifestos e comunicados, fizeram a defesa dos seus pontos de vista face à dramática situação vivida e, numa primeira fase, a crítica à ausência da Ministra da Cultura, depois, às insuficientes respostas por ela dadas.

Estes movimentos e grupos, na sua generalidade informais, têm normalmente uma vida efémera e tendem a desaparecer quando os problemas estão resolvidos. Mas o seu aparecimento corresponde a uma necessidade de discutir e propor medidas concretas para a resolução dos problemas ainda que, por vezes, com ideias divergentes, como ficou claro no Estudo do Posicionamento das Entidades Artísticas, publicado em 2017 pela DGArtes.

A representatividade política do sector não pode ser meramente reativa face a cada momento, seja o resultado de um concurso, seja a ausência de apoios a uma situação de crise provocada por uma pandemia. Daí, a importância de estruturas representativas do sector com uma visão global dos seus problemas e com apresentação e discussão de propostas de política cultural que visem a dignificação da atividade de criação artística. E que o façam com maior solidez e representatividade do que é possível fazerem os grupos que derivam de um voluntarismo generoso – e que é fundamental ter em conta – mas cujo âmbito e representatividade é, por vezes, muito restrito.

No processo de mudança dos órgãos diretivos da Plateia, registe-se a clara preocupação de discutir os princípios norteadores mais de que definir os nomes dos elementos que os compõem. A nova direção da Plateia, 20 anos mais jovem do que a anterior, composta sobretudo por mulheres, o que é significativo em termos geracionais e de género, propõe alargar a organização representativa das companhias independentes, sobretudo as de pequena e média escala.

Também a Rede tem vindo a intervir em representação das companhias de dança contemporânea, a afirmar publicamente as suas posições e a participar em reuniões com outras organizações associativas do sector. Recentemente, 14 estruturas formais e informais, o que é significativo, reuniram-se para produzir um documento conjunto, evidenciando a importância e a força das ações conjuntas.

O momento é de emergência e importa resolver os dramas imediatos que não são um exclusivo do trabalho sindical – as medidas de proteção da Segurança Social para os trabalhadores independentes e as medidas do Ministério da Cultura deixam de fora uma larga percentagem de trabalhadores da área – mas é fundamental perspetivar o futuro e estar na linha da frente para não permitir o estrangulamento definitivo de uma área que é normalmente a última a receber apoios e a primeira a receber cortes.

Não serão fáceis os tempos que se avizinham. A Ministra da Cultura, mais do que ausência de visão estratégica para a área que tutela, tem demonstrado um desconhecimento grande do terreno. Já tinha dado sinais preocupantes: a manipulação descarada no atraso da publicação dos resultados dos apoios sustentados da DGArtes para não prejudicar a campanha eleitoral, a cedência de obras de arte do Estado a um hotel, a ideia peregrina de criar o festival TV Fest que gerou um enorme coro de protestos, para nomear apenas três exemplos.

As estruturas em que se organizam profissionais das artes cénicas, do teatro, da dança, técnicos, performers, encenadores, programadores, diretores de companhias, produtores, diretores de festivais, têm alertado para a falta de respostas do Ministério da Cultura e para a necessidade da criação de um verdadeiro fundo de emergência para o sector. Esta é a urgência. Mas é preciso preparar o que vem a seguir: definir os incentivos à produção, defender os direitos e melhorar a proteção social dos profissionais, planificar a difusão e a fruição cultural, trabalhar a regulamentação da rede de teatros e garantir o reforço do orçamento de Estado para a Cultura.

O sector paralisou com a crise pandémica, mas não parou a sua capacidade de pensar e apresentar propostas. Neste, como em outros momentos, desde que haja latitude no confronto direto e público com o Estado, a articulação entre as estruturas representativas do sector pode ser determinante para encontrar caminhos e soluções.

Sobre o/a autor(a)

Ator, Produtor, Programador cultural
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