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Saúde Mental no contexto universitário
Parte-se do princípio de que o Ensino Superior é símbolo de uma nova fase na vida de quem nele consegue ingressar. E parte-se do princípio, também, que todas e todos deveríamos ter direito a prosseguir estudos no Ensino Superior sob as mesmas condições. No entanto, a situação do Ensino Superior em Portugal é marcada por um desenvolvimento pouco democrático, fraco, desigual e dependente de uma agenda que nem sempre se coaduna com o interesse público. É sobre essa premissa que escrevo sobre um tema preocupante e pouco abordado: a saúde mental no contexto do Ensino Superior.
Ainda hoje, em Portugal, o estado de saúde mental é vista como um tabu sensível, que revela uma suposta fraqueza que deve ser escondida ou guardada. Quando se é jovem e se está a começar uma vida como estudante do ensino superior, é-nos exigida a paz de espírito, o controle e a felicidade porque com a nossa idade ‘’ainda não existe experiência de vida suficiente para se estar mal”. No entanto, os números não mentem. De ano para ano, assiste-se a um aumento de problemas mentais diagnosticados nos estudantes universitários e esses números podem ser justificados por uma maior pressão e competição no acesso ao ensino superior, pelo afastamento do círculo social ao qual os alunos estão acostumados, por motivos pessoais que os impedem de conseguir um melhor aproveitamento escolar, por motivos financeiros ou até mesmo por motivos de integração na universidade em que se encontram.
A pressão e a competição no acesso ao ensino superior, que tem vindo a crescer nos últimos tempos, anda, em grande parte dos casos, de mão dada com as desigualdades e fragilidades financeiras de cada família. Os alunos de famílias mais favorecidas têm tendência a entrar nos cursos de maior prestígio e com maiores médias de acesso e, em contrário, os alunos de famílias com menos poder financeiro, têm tendência a não conseguir fazê-lo, entrando em cursos de médias inferiores. Isto acontece devido ao acesso a aulas extra e a explicações fora do ambiente escolar, no ensino secundário, que apenas alguns podem pagar, ou à inflação de notas, maioritariamente no ensino privado, frequentemente adotado por famílias mais abastadas.
Obviamente, os alunos que não conseguem ingressar na universidade e/ou no curso pretendido, devido a estes fatores externos, sentem-se mais abalados e fragilizados. O afastamento do seu círculo social habitual, o acrescer de responsabilidades e a pressão da integração são também temas relevantes quando falamos da saúde mental dos alunos.
Grande parte dos estudantes é obrigado a fazer as malas e instalar-se numa casa, apartamento ou residência, normalmente a preços exorbitantes, enquanto lhes restam as chamadas e as mensagens com os amigos e família que deixam para trás. Inicialmente, o êxtase pode levar ao esquecimento do nervosismo de ter a sua própria habitação e, consequentemente, o dobro da responsabilidade. A integração na universidade é fulcral e a entrada tem de ser feita com o pé direito (quando, às vezes, seria mais vantajoso uma entrada com o pé esquerdo).
O método de “integração” mais conhecido e até apoiado pelos órgãos das universidades é a praxe. A pressão social da maioria sobre os que pensam diferente torna o esquema mais pernicioso do que parece. Muitos participam porque acreditam não existir outro mecanismos para aceder a resumos partilhados, apoio pedagógico entre os alunos, espaços de convívio. Depois de um ano sob essas condições e a aprender de quem, por vezes, menos sabe, os alunos do primeiro ano já se sentem integrados pois fizeram amigos. Isto, claro, se concordarem com tudo o que lhes é dito. É o melhor dos dois mundos para quem está apostado em moldar o mundo à imagem da obediência e da força. A luta por um novo modelo de integração nas universidades, necessária para aqueles que não se querem ver obrigados a participar em atividades da praxe, é fraca e tem sofrido silenciamento por parte das instituições, das associações académicas e dos estudantes envolvidos em atividades de praxe.
Se estas impossibilidades, desigualdades e falta de investimentos se mantiverem, mantendo-se também o número crescente de entradas nas universidades, nunca conseguiremos ter um Ensino Superior que se diga totalmente democrático e igualitário e solidário. Com o crescer de diagnósticos em estudantes universitários, é também fundamental um sistema que apoie os alunos e, acima de tudo, que lhes ofereça acompanhamento psicológico, e ajuda financeira, nos casos onde essas medidas sejam necessárias.
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