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A Ciência Desconfinada

Como vamos “desconfinar” a ciência? Volta para o seu cantinho semi-escondido? Continuará ser um sector cronicamente subfinanciado? Continuará a ser a campeã da precariedade? Ou terá finalmente o reconhecimento que merece? Por Teresa Summavielle, Investigadora do i3S.

Com a chegada do SARS-CoV-2 a ciência viu-se revestida de nova relevância. Por umas semanas deixou de ser o costumeiro “desperdício de dinheiro” e pode assumir-se aos olhos (de quase) todos como a “salvadora”. A que é ser capaz de perceber e derrotar a pandemia, a que é capaz de produzir vacinas, e, pasme-se! a que pode impedir o descalabro na economia. Ironias...

No cenário pandémico coube ainda aos cientistas informar a sociedade de forma séria, promovendo comportamentos protetores de todos, sem gerar pânicos inúteis e contraproducentes. Tiveram também de desmembrar pilhas de “fake-news” e de se digladiar com os “anti-ciência”, alguns deles perigosamente ao volante de países que mereciam melhor sorte.
Nestas parcas semanas que parecem não ter fim, a Ciência vestiu também luto pelos milhares de vidas perdidas. Em Portugal, em particular, a Ciência perdeu uma das suas mais importantes impulsionadoras, Maria de Sousa. É também sobre ela que quero escrever.

A pergunta é inevitável. E depois da pandemia?

Como vamos “desconfinar” a ciência? Volta para o seu cantinho semi-escondido? Continuará ser um sector cronicamente subfinanciado? Continuará a ser a campeã da precariedade? Continuará a sobreviver com taxas de 10% de aprovação quer no emprego científico, quer nos projetos de investigação?  Ou terá finalmente o reconhecimento que merece?

Infelizmente, atrevo-me a antever, que será novamente relegada para o fim da lista (ali, quase ao lado da cultura e pertinho da educação). Neste provável cenário, partilho um parágrafo de um artigo que Maria de Sousa escreveu sobre a escassez de financiamento para Ciência em Portugal, e que não chegou a ser publicado. Recorrendo a uma simples analogia, retrata o paradoxo em que vive a Ciência Portuguesa: “Em geral todos nos orgulhamos dos nossos melhores jogadores de futebol. O que não sabemos tão bem, é que o futebol tem muitas semelhanças com a ciência em Portugal, ou com a ciência praticada por cientistas portugueses por esse mundo fora. Tal como os jogadores de futebol temos cientistas nos melhores grupos de investigação no mundo. Tal como treinadores de futebol, temos treinadores de “grupos de investigação” por todo o mundo (que em Ciência se designam Lideres de Grupo). Seria impossível que um melhor jogador, ou um club que ganhou, fosse penalizado com uma diminuição significativa do seu financiamento. Não só seria impossível, como escandalizaria os adeptos de forma que se fariam ouvir. E aqui começam diferenças entre as duas profissões. Os cientistas não têm adeptos que encham estádios, nem comentadores que os expliquem todas as noites.” E como tal, o mais provável é que passados estes tempos de maior aflição, o futebol recupere o seu tempo de antena, e os cientistas voltem à sua quase invisibilidade.

Este texto, nas palavras de Maria de Sousa, não era um protesto, ou lamento, era uma reflexão. Uma reflexão de “uma adepta emérita, que partilhou há anos a luminosidade do esperado. Mal preparada para a escuridão do absurdo.”

Para além duma reflexão, é também uma constatação. Ninguém que tenha acompanhado a evolução da ciência portuguesa nos últimos 30 anos terá dúvidas sobre a sua espantosa evolução. Atualmente, estamos no mesmo nível de muitos países europeus em algumas áreas. Ninguém terá dúvidas que este caminho só foi possível com um aumento significativo do investimento em Ciência.  A aposta na Ciência (bem como na Educação, Saúde e Cultura) é a força motriz para o desenvolvimento do País, gerando verdadeiro crescimento económico. O investimento em ciência, para além do importante retorno financeiro que tem demonstrado (note-se, que nos últimos anos Portugal foi finalmente de capaz captar, de modo competitivo, mais financiamento europeu para Ciência, do que o valor que lhe coube investir), é também um fator de capacitação de País. Foi este investimento que possibilitou, por exemplo, a resposta que tantos institutos de investigação puderam dar à monitorização da Covid-19.

Não continuar a aumentar progressivamente o investimento em Ciência seria não reconhecer o seu valor. Neste momento seria também um paradoxo. Assim, desconfinada a Ciência,  aos cientistas, e aos que reconhecem o valor da Ciência para o País, recomenda-se que sigam o exemplo dos adeptos de futebol, que se escandalizem e se façam ouvir!

(...)

Neste dossier:

Transformar a Academia

Transformar é a palavra de ordem para os temas deste dossier: Democratização do governo das instituições de Ensino Superior, combate à precariedade laboral, a luta anti-propinas, por mais financiamento público e uma Ação Social que não deixe ninguém de fora.  E a centralidade do conhecimento científico para enfrentar a crise que vivemos. Dossier organizado por Luís Monteiro.

O Ensino da Economia na Universidade portuguesa

O ensino da economia nas universidades portuguesas é acanhado, acrítico e desligado dos verdadeiros desafios que a disciplina se propõe a enfrentar. Por André Francisquinho, Estudante de Economia na UNL.

 

Somos todos bem-vindos (?)

Há barreiras enormes no acesso ao ensino superior para os alunos do ensino regular, quer pelo método de seleção, alojamento, propinas, despesas. Nos cursos profissionais, a situação não é diferente. Apenas 18% dos estudantes do ensino profissional prosseguem estudos para o Ensino Superior. Por Eduardo Couto, Ativista Estudantil e LGBTI+, estudante do Ensino Profissional
.

 

Por uma gestão democrática do ensino superior

É precisamente a ausência de democracia e poder real nas mãos dos estudantes, que o sabem concentrado num sistema piramidal e em interesses alheios ao serviço público, que os tem afastado da participação. Por Eduardo Esteves, estudante de Direito na UP, e Pedro Moura, estudante de Ciência política na UM.

Saúde Mental no contexto universitário

Quando se é jovem e se está a começar uma vida como estudante do ensino superior, é-nos exigida a paz de espírito, o controle e a felicidade porque com a nossa idade ‘’ainda não existe experiência de vida suficiente para se estar mal”. No entanto, os números não mentem. Por Catarina Ferraz, ativista estudantil e social. Aluna do Ensino Superior.

 

Somos a voz adormecida que precisa de ser acordada

Se somos os mais preparados, então saibamos utilizar essa ferramenta para transbordar o papel do estudante enquanto agente passivo de um futuro mercado de trabalho explorador e excludente. Por António Soares, ativista estudantil na Universidade do Minho.

 

Sobre a gestão da Carreira Docente (concursos e progressão)

Talvez por tradição, a gestão de carreiras no Ensino Superior é notavelmente singular porque parece que estas instituições têm um procedimento que mais organização nenhuma tem em Portugal ou no estrangeiro. Por Rui Penha Pereira, Docente do Ensino Superior
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RJIES: tirar o esqueleto do armário

As instituições que adotaram o regime fundacional passaram a reger-se pelo direito privado em várias áreas, nomeadamente, na gestão financeira, patrimonial e do pessoal. A passagem a este regime revelou-se sinónimo de precarização das relações laborais de docentes, não-docentes e investigadores. Por Tomás Marques, estudante universitário e ativista estudantil.

 

Humanizar e Artestizar

As humanidades e artes continuam a ser os cursos a quem se pergunta o que fará da vida com isso. São áreas deficitárias que, enquanto se gasta dezenas de milhões para atrair (com cursos de gestão e afins) estudantes de países ricos, mantêm alunos de faculdades de Letras ou de Belas Artes a conviver com a degradação e até com a insalubridade. Por Pedro Celestino, Ativista Estudantil na Universidade de Lisboa

 

Para uma mudança do paradigma: o ensino superior a Nordeste

As instituições de ensino superior e as unidades de investigação desenvolvem as suas atividades recorrendo ao “exército” de bolseiros de investigação criado pela FCT que dá cobrimento ao já velho corpo docente que é, muitas vezes, um entrave à legalização da contratação dos recentes doutorados. Por Pedro Oliveira, Assistente convidado (precário) no Instituto Politécnico de Bragança.

A Universidade: do Elitismo à sua Democratização

Não podemos continuar a assumir, de uma forma indireta, que o aumento do número de alunos no Ensino Superior em Portugal vale por si só. É preciso saber, ao mesmo tempo, aumentar a qualidade desse Ensino. Por Catarina Rodrigues, estudante e ativista.

“Dura Praxis, Sed Praxis”

Desde o horrível caso do Meco, que a sociedade civil se debruçou sobre este fenómeno social com outros olhos. Mas o que é, ao certo, a praxe? Um grupo de estudantes? Uma “instituição” académica? Uma seita? Uma tradição? Por Miguel Martins, ativista social e estudantil. Estudante do Ensino Superior
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O mal-estar da Universidade

Esta é a realidade de toda uma geração: a precarização dos Assistentes Convidados, dos Bolseiros, dos Investigadores. Aliciados pelas promessas dos ganhos futuros, iludem-se continuamente enquanto lubrificam as engrenagens da sua própria máquina de exploração. Por Pedro Levi Bismarck, Arquiteto e Docente Precário na Universidade do Porto

 

A Universidade em tempo de crise: democracia precisa-se!

A entrada em vigor do RJIES traduziu-se em perda de autonomia institucional, diminuição da participação democrática nas decisões e precariedade nas relações laborais de docentes, investigadores e outros trabalhadores.  Por Ernesto Costa, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra

 

O que é que o COVID-19 nos ensinou sobre a Ciência?

Depois desta pandemia passar, tem de ser pensada a criação de um programa de literacia cientifica. Não precisamos todos de perceber a fundo a investigação toda que se faz, deixemos isso aos investigadores profissionais. Mas seremos um país melhor se toda a gente perceber conceitos básicos de Ciência. Por Ana Isabel Silva, Investigadora do i3s e Ativista contra a Precariedade

 

A politização da mentira

Apenas com a informação mais atual, trazida pelas pessoas mais capazes para a fornecer, que já debateram, analisaram e trabalharam entre elas os dados apresentados, é que podemos decidir da melhor forma como efectivamente deve estar estruturada e organizada a nossa realidade. Por Rodrigo Afonso Silva, ativista estudantil e membro da Greve Climática Estudantil

 

Desigualdade de género no Ensino Superior

Apesar de as mulheres, no geral, serem mais graduadas que os homens – existem mais mulheres licenciadas, mestres ou doutoradas do que homens - , são ainda quem ganha menos e quem tem menos acesso a posições de liderança dentro e fora das Instituições de Ensino Superior. Por Leonor Rosas, estudante universitária, ativista estudantil e feminista.

 

O Ensino Superior Politécnico em Portugal

Com o passar do tempo o ensino superior politécnico e o ensino universitário sofreram uma aproximação em algumas áreas científicas que se materializou no ministrar de licenciaturas de caráter semelhante. Mas esta aproximação não resultou numa uniformização ao nível do ensino e da carreira docente. Por Rui Capelo, estudante do Instituro Politécnico de Setúbal.

O (Sub)Financiamento do Ensino Superior e a Propina

Devido ao subfinanciamento crónico do Ensino Superior, houve um aumento cada vez maior do peso das propinas no financiamento das IES. Por consequência, apesar de a Propina poder variar entre o valor mínimo e máximo, tendo as IES autonomia nesta decisão, o valor fixado é sempre muito próximo do máximo, de forma a contrapor o subfinanciamento. Por Ana Isabel Francisco, Ativista Estudantil na FCT UNL.

 

O mantra da “Autonomia Responsável”

O confinamento ou o Estado de Emergência não podem servir de pretexto para comprimir a fraca vivência democrática que o RJIES trouxe ao Ensino Superior. Por Luís Monteiro, Museólogo e Deputado do Bloco de Esquerda.

O regresso à anormalidade

A projetificação da ciência é a consequência direta da construção de um modelo que desconsidera a segurança laboral e que, por isso mesmo, se torna desumano e ineficaz. Esse modelo tem sido materialmente estimulado pelas instituições financiadoras em Portugal e na União Europeia. Por Miguel Cardina, Historiador e Investigador do CES-UC.

A Ciência Desconfinada

Como vamos “desconfinar” a ciência? Volta para o seu cantinho semi-escondido? Continuará ser um sector cronicamente subfinanciado? Continuará a ser a campeã da precariedade? Ou terá finalmente o reconhecimento que merece? Por Teresa Summavielle, Investigadora do i3S.