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Bombeiros portugueses: imprescindíveis, precários e sem visibilidade

As bombeiras e bombeiros portugueses não precisam de palmas, precisam sim de um estatuto que os proteja também dos efeitos desta pandemia, tanto a nível laboral, social e de saúde.

Todos os anos, mais ou menos na mesma altura, em pleno pico do Verão, emergem as campanhas de solidariedade para com as mulheres e homens que combatem os incêndios rurais no território nacional, tanto mais intensas como quanto mais desigual for a luta pela extinção do incêndio.

Durante todo o ano, milhares de homens e mulheres cedem o seu tempo para prestar um serviço público, o da prestação de socorro, seja ele do foro da saúde, acidente ou incêndio. Destes voluntários, uma parte são, ou foram, igualmente, profissionais.

Agora, são estes mesmos bombeiros que estão na linha da frente na rua, socorrendo em contexto pré-hospitalar, assegurando os transportes dos doentes suspeitos ou confirmados, a par de todo o dispositivo além-covid.

Note-se que, nalguns casos, os Corpos de Bombeiros estão privados dos bombeiros voluntários que são profissionais de saúde, já que a acumulação de funções tem sido desaconselhada, no âmbito do combate à covid-19. Não está aqui em causa o sentido de protecção destes mesmos trabalhadores e trabalhadoras, já que, na génese desta proibição, está a minimização do contágio. Contudo, são menos elementos que podem assegurar as escalas que servem a população nos quartéis, deixando alguns com francas dificuldades em garantir equipas de socorro nas 24 horas.

No âmbito do combate à pandemia actual, até na formação os bombeiros foram dotados ao esquecimento, ou, quanto muito, deixados para segundo ou terceiro plano, já que a formação sectorial específica para o transporte de doentes suspeitos ou confirmados de covid-19 foi somente anunciada uma semana depois de ter sido detectado o primeiro caso em Portugal.

Os bombeiros infectados sofrem a redução salarial de 30% correspondente a uma baixa por doença. Contudo, a contaminação de alguns destes homens e mulheres terá provavelmente decorrido no âmbito do seu exercício, devendo, por isso, ser considerada doença profissional e, nessa medida, paga a 100%. Como funcionam os seguros adstritos à actividade de bombeiro? Como ficam os bombeiros voluntários? Em caso de contaminação, qual a sua protecção? Não deveriam ter uma protecção idêntica pelo serviço público desenvolvido em regime de voluntariado, muito além do definido no quadro do Fundo de Protecção Social do Bombeiro? E como está este a funcionar? Que soluções foram encontradas para albergar os bombeiros em quarentena, isolamento profiláctico ou medo de ir para casa e contaminar as suas famiílias?

Esta semana, o Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei que estabelece um regime temporário e de carácter excepcional para apoiar as associações humanitárias que detêm os corpos de bombeiros voluntários. Não obstante a necessidade desta antecipação de duodécimos do financiamento ou da disponibilização de uma linha específica de financiamento, para dar resposta (parca pela sua natureza) às exigências impostas pela pandemia covid-19, importa realçar a urgência pela determinação de um estatuto definitivo para os bombeiros portugueses que aposte na profissionalização do seu efectivo e que estabeleça uma carreira profissional digna, sem deixar cair o importante papel do voluntariado neste sector.

Invisíveis, os bombeiros portugueses são, muitas vezes, a primeira resposta e porta de entrada para a assistência em saúde. Têm desenvolvido, com elevada abnegação, um papel fulcral nesta pandemia e nem por isso merecido o devido destaque ou protecção. A sua função é imprescindível, pelo que é urgente a determinação de medidas que defendam estes homens e mulheres que diariamente se expõe para garantir que nenhum cidadão ou cidadã fique privado de uma resposta célere e adequada à sua condição de saúde. As bombeiras e bombeiros portugueses não precisam de palmas, precisam sim de um estatuto que os proteja também dos efeitos desta pandemia, tanto a nível laboral, social e de saúde.

Sobre o/a autor(a)

Enfermeira na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais do Hospital de Santa Maria
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