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Investimento militar ou investimento na saúde?

International Peace Bureau (IPB), a organização não-governamental pacifista mais antiga do mundo, denunciou que as despesas militares são hoje 50% maiores que no fim da “Guerra Fria” e defende que a prioridade deve ser a favor da saúde.

Recentemente, o International Peace Bureau (IPB), a organização não-governamental pacifista mais antiga do mundo, fundada em Berlim, no ano de 1891, denunciou que as despesas militares são hoje 50% maiores que no fim da “Guerra Fria” e defende que a prioridade deve ser a favor da saúde para o combate à pandemia da Covid-19. E avançou com uma petição mundial para se abandonar a prioridade da guerra a favor da saúde e de gastos sociais, a ser entregue à Assembleia-Geral das Nações Unidas no próximo dia 1 de setembro.

A generalidade dos países tem apostado nas despesas militares em detrimento do investimento nos serviços de saúde, o que faz com que estes serviços estejam a colapsar face ao alastrar da pandemia do novo coronavírus. E não é só nos países menos desenvolvidos onde esta situação se passa, isto acontece nos E. U.A., na Itália, França, Reino Unido, Espanha e outros Estados inseridos no primeiro nível de desenvolvimento.

O avanço da pandemia agora na América Latina, em África, na Índia e outras regiões da Ásia terá, tudo leva a crer, proporções catastróficas. São países onde a pobreza abunda, os serviços de saúde são muito débeis e estão nas mãos de privados, ou simplesmente não existem, há poucas condições de higiene, falta de água e onde o isolamento social praticamente não vai existir. Mas nem por isso estes países têm deixado de investir na compra e no tráfico de armas.

De acordo com o IPB, é gasto a nível mundial um bilião de dólares para fins militares e vai ser gasto um outro bilião de dólares em novas armas nucleares nos próximos 20 anos. A venda de armas atinge a quantia astronómica de 1,8 biliões de dólares por ano, enquanto a NATO e Trump exigem mais gastos militares para os Estados-membros da Aliança Atlântica, o mínimo de 2% do PIB na área da defesa para cada Estado.

Os Estados Unidos da América lideram a lista dos investimentos militares mundiais com 649 mil milhões de dólares (36%), seguindo-se a China com 250 mil milhões (14%), a Arábia Saudita, a Índia e a França. Como esta foi a prioridade, faltou o investimento na saúde, essencialmente pública. Daí, todos nós estarmos a assistir ao horror das milhares de vítimas mortais pela Covid-19 com o colapsar dos sistemas de saúde em grande parte destes países.

Assim, faz todo o sentido o que disse Jordi Calvo, vice-presidente do IPB: “Pedimos aos países mais ricos do mundo para se questionarem sobre o que fizeram até agora: demasiados recursos foram dedicados à nossa militarização. Devemos agora usá-los para enfrentar crises de saúde”. Assim, como para dar resposta às avassaladoras consequências económicas e sociais que temos pela frente. E que deve ser alargado a todos os outros países.

A Covid-19 também está a afetar o nosso país com gravidade, felizmente sem a dimensão do que acontece noutros países. Esperemos que assim continue até à sua extinção o mais rapidamente possível. Não deixa de ser dramático e muito triste que a pandemia já tenha roubado a vida a muitas centenas de portugueses. Não obstante estas mortes, o que é de lamentar, o SNS tem conseguido aguentar-se relativamente bem. São os profissionais de saúde que têm estado na linha da frente, mesmo com risco da própria vida e o país muito lhes deve.

Há que atender às prioridades do país reforçando o SNS, uma das maiores conquistas do 25 de abril. Há que canalizar grande parte dos meios financeiros disponíveis, que são limitados, para o SNS e para fazer face às dramáticas consequências da crise económica e social que já estamos a viver.

No ano passado a Assembleia da República aprovou, por proposta do Governo, a nova Lei de Programação Militar (LPM) que tem por objeto a programação do investimento público das Forças Armadas em matéria de armamento e equipamento, com vista à modernização, operacionalização e sustentação do sistema de forças, concretizado através da edificação das suas capacidades. Este investimento na área da defesa será de quase 5 mil milhões de euros para a próxima década.

Na altura, tendo em conta as prioridades do país, o Bloco de Esquerda considerou que eram gastos muito elevados em matéria de defesa, nomeadamente para a aquisição, entre outros meios militares, de vários aviões de grande porte, de helicópteros de evacuação, um navio polivalente logístico, um navio reabastecedor e investimentos em capacidades de ciberdefesa. Já para os navios de patrulha oceânica torna-se necessário fazer os investimentos necessários, tendo em conta a antiguidade e a desadequação de meios existentes e continuar a assegurar as missões de patrulha e fiscalização, vigilância, busca e salvamento.

Sucede que muitos destes meios militares a adquirir pelo país, a pretexto do duplo uso, irão ser colocados ao serviço da NATO e de outras instâncias internacionais militaristas que não terão objetivos de paz, mas sim de guerra. Por outro lado, o governo português com o apoio do PSD e do CDS, pressionados por aquelas instâncias, pela UE e por Trump, pretende atingir a meta de despesas de 2% do PIB em matéria de defesa. Daí o Bloco ter votado contra a LPM.

Para o ano em curso a LPM terá um acréscimo de 37,9%, passando de 228 para 315 milhões de euros, devido à sua revisão pela A. R. em 2019. O seu financiamento é realizado, em grande parte, através da lei que aprova o Orçamento de Estado, o qual contempla anualmente as dotações necessárias à execução relativa às capacidades conforme previsto pela LPM

Atendendo à emergência sanitária, social e económica que o país vive, impõe-se, com urgência, uma revisão extraordinária da LPM canalizando para essa emergência grande parte dos meios financeiros previstos para o ano em curso. A transferência de meios financeiros não deve colocar em causa a condição e a saúde dos militares, o apoio aos serviços de proteção civil, a operacionalidade interna das Forças Armadas e, assim como, determinadas capacidades constantes na LPM, nomeadamente o apoio sanitário, a patrulha e fiscalização, as operações de vigilância, o apoio à Autoridade Marítima Nacional e a busca e salvamento.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em História Contemporânea.
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