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Vacas gordas e vacas magras

A resposta do Governo à crise provocada pelo Covid-19 ficou aquém na necessidade de proteger os mais vulneráveis.

Depois de uma entrada dura contra o ministro holandês, a coragem europeia de António Costa transformou-se num prenúncio de austeridade. A escolha de palavras não foi acidental, o primeiro-ministro sabe o que significa declarar o fim das vacas gordas num país traumatizado por anos de empobrecimento forçado.

E também sabe que esse é o plano europeu para a recessão que se segue à pandemia. De nada valeu ao Governo português a aliança progressista com Macron nem a união dos países do sul, na hora H vingou “the german way” e António Costa voltou derrotado nas suas pretensões europeias. Não haverá coronabonds nem planos Marshall para ninguém. Para isso era preciso uma Europa que não existe, apesar das ilusões de António Costa.

O que haverá é mais do mesmo. A resposta europeia à crise é obrigar ao endividamento dos países através do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) para depois impor-lhes planos de austeridade em nome das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Não é um ato de solidariedade, é um mecanismo de dependência e colonização financeira que dá conforto aos ministros holandeses e mantém a corda na garganta dos países mais pobres.

A proposta é tão “boa” que apesar dos elogios de Mário Centeno - presidente do Eurogrupo, já foi rejeitada pelo Mário Centeno - ministro das Finanças português.

No entanto, com ou sem MEE, a questão mantém-se: será que depois da derrota europeia, o governo português vai insistir na obsessão do défice, ou vai desobedecer à Europa com um pacote de estímulos económicos e de investimento público? Só uma dessas hipóteses evita a austeridade e uma recessão prolongada, mas requer coragem para lidar com a dívida pública, a política fiscal e os setores estratégicos da economia.

Os sinais não são auspiciosos. A resposta do governo à crise provocada pelo Covid-19 ficou aquém na necessidade de proteger os mais vulneráveis. Proibir os despedimentos, assegurar a sustentabilidade de pequenas empresas, salvar o setor cultural da falência coletiva, são medidas de sobrevivência nacional. Garantir emprego e rendimentos agora é a única forma de conter a pobreza no futuro, outro vírus que também mata.

Mas também tem faltado músculo para exigir responsabilidades a quem sempre lucrou, e continua a lucrar, com as crises. É o caso da banca, que mais uma vez recebeu a mão amiga de PS e PSD para travar uma lei do Bloco de Esquerda. É o caso de gigantes privatizadas, como a EDP ou a Galp, que querem distribuir dividendos milionários aos seus acionistas enquanto despedem precários. É o caso de multinacionais lucrativas que receberam dinheiro público, como a Volkswagen ou o BD Group (dono da Arriva - TST), e agora recorrem o layoff para transferir para a Segurança Social os encargos com salários.

As crises nunca afetam todos por igual nem suspendem a luta de classes. Os anos de austeridade não foram tempos de vacas magras, foram um roubo organizado aos trabalhadores deste país para safar a banca e os mercados financeiros. Se esse programa nunca tivesse existido, Portugal estaria em muito melhores condições para responder ao Covid-19 com um SNS, uma Segurança Social e uma economia mais robustas.

Foi para salvar o país desse desastre que o Bloco de Esquerda participou numa maioria parlamentar sob um único mote: devolver rendimentos, devolver direitos, devolver dignidade. Pelo país, e não pelo PS. Aqui ninguém se enganou e não há espaço para equívocos, António Costa não terá unidade nacional em torno de um programa de austeridade.

Artigo publicado no jornal “I” a 16 de abril de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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