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Uma crise pandémica não pode ser pretexto para aprofundar as desigualdades sociais

A crise pandémica do Covid19 apanhou-nos de surpresa, impondo às famílias e aos serviços públicos essenciais uma pressão inesperada e desafios exigentes à economia e ao trabalho. Atravessamos uma crise sanitária, social e económica como nunca antes vivemos.

Mas em tempos de pressão e incerteza revela-se o melhor dos seres humanos. Os exemplos de solidariedade vêm dos quatro cantos do mundo e Portugal não é exceção. Formal ou informalmente, num instante a sociedade se organizou em redes de solidariedade para olhar pelos mais vulneráveis. Os jovens oferecem-se para ir às compras aos mais idosos, montam-se redes de angariação de fundos para famílias carenciadas ou pessoas sem-abrigo, empresas e laboratórios adaptam-se às novas necessidades e produzem materiais de proteção individual para o SNS e para os profissionais que combatem o vírus na linha da frente. Enquanto sociedade, percebemos que o tempo é de unir esforços e que este combate tem de ser em conjunto.

Ao mesmo tempo, revela-se também o pior que existe nas sociedades capitalistas. Há sempre quem no meio do caos não só não tem qualquer interesse em contribuir para este esforço conjunto como não hesita em aproveitar-se da situação para benefício próprio. São, sem surpresa, as grandes empresas com maior capacidade financeira, que ano após ano distribuem lucros de milhões pelos acionistas, quem mais aproveita a situação para manter o seu capital financeiro intacto e aumentar o fosso das desigualdades sociais preparando o terreno para a diminuição do custo do trabalho.

Do recurso massivo ao layoff, solução proposta pelo governo, mas que reduz o rendimento dos trabalhadores e coloca a Segurança Social a pagar, aos despedimentos de trabalhadores precários, da pressão para que os trabalhadores tirem férias no período de isolamento ou para que continuem a trabalhar mesmo quando a empresa recorreu ao layoff, as estratégias são várias.

No distrito de Setúbal, não faltam exemplos de quem, no meio de uma crise com impactos sociais e económicos devastadores, não olha a meios para acumular lucro, mesmo que isso se faça à custa da vida de milhares de trabalhadores e das suas famílias.

Várias empresas do Parque Industrial da Autoeuropa iniciaram processos de layoff e de despedimento generalizado de trabalhadores com contrato temporário.

As empresas Martifer e CMN do consórcio da GALP na Refinaria de Sines iniciaram igualmente processos de despedimento de trabalhadores contratados, mesmo depois de, em 2019, o presidente executivo da GALP, Carlos Gomes da Silva, ter tido um aumento de 1,8 milhões de euros na sua remuneração, e de a GALP ter registado lucros na ordem dos 560 milhões de euros.

Também a empresa Visteon em Palmela e a LAUAK, multinacional francesa do setor aeronáutico, optaram por cessar os contratos dos trabalhadores com contrato de trabalho temporário e por não renovar os contratos a termo.

O Grupo Multiauto aliciou os trabalhadores a assinar documentação para entrar em layoff parcial, mas mantendo horários de trabalho de 40 horas semanais. Ou seja, a empresa, com o pretexto de manter os postos de trabalho, pretende ser financiada pela segurança social, para pagar parte dos salários aos trabalhadores que mantém a laborar a tempo inteiro.

Não surpreendem estas estratégias do capitalismo desenfreado. Cabe ao governo garantir as condições de vida das pessoas, e isso faz-se através da garantia da manutenção do trabalho. A resposta à crise económica tem de caucionar a proibição dos despedimentos, incluindo a dos trabalhadores precários. Os apoios às empresas têm de ter como condição a manutenção de salários e postos de trabalho e a reintegração dos trabalhadores despedidos no início da crise, tal como já fizeram outros países, como Espanha e Itália­­­­­.

Uma crise pandémica, social e económica não pode ser pretexto para enriquecer à custa dos outros, para o atropelo de direitos ou para o aprofundamento das desigualdades sociais.

Artigo publicado em “O Setubalense” a 8 abril 2020

Sobre o/a autor(a)

Feminista e ativista. Socióloga.
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