You are here
Como pode fracassar a próxima reunião do Eurogrupo sobre os coronabonds
Nos dias vertiginosos que vivemos, quem ainda se lembra da confrontação no Conselho Europeu sobre as “repugnantes” diferenças quanto à resposta à segunda vaga da crise, a próxima pandemia social do desemprego e da recessão? Mas olhe que foi há menos de uma semana. Entretanto, a presidente da Comissão já desdenhou da proposta da França e dos países do sul, que seria meramente um slogan; o primeiro-ministro holandês, o tal que fazia parte da “aliança progressista” com Macron e Costa, já disse que nunca aceitará uma solução europeia; ministros alemães repetiram o mesmo; o presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade acrescentou hoje que nem pensar nisso. E, neste contexto, o Eurogrupo deveria apresentar dentro de alguns dias as suas propostas para uma conciliação entre as várias propostas que estão em cima da mesa.
Não se sabe sequer se o tentará. Quando o Eurogrupo reuniu para preparar o último Conselho, os ministros das finanças chocaram entre si e só terão acalmado quando decidiram prudentemente passar a decisão para os chefes de governo. É portanto duvidoso que agora consigam algo diferente, numa situação pior. A melhor esperança seria que trouxessem recados para uma reunião sem história, para aplanar caminho para o Conselho.
Mas, se o Eurogrupo soubesse (ou quisesse) fazer o trabalho de casa, apresentaria detalhes técnicos sobre as duas soluções possíveis, ou emitir dívida europeia ou empréstimos a alguns países. A primeira, a preferida pelos países mais sacrificados, é a mais difícil, por duas razões que já aqui apontei (a Alemanha nunca aceitou pagar um juro superior ao que constitui o seu benefício com a desigualdade europeia e, além disso, as dificuldades políticas e jurídicas internas poderiam transformar esta solução num pesadelo para Merkel).
Por outro lado, os coronabonds só serão úteis em três condições estritas: primeiro, uma dimensão suficiente, uma emissão que cobrisse custos de relançamento da ordem de 10% do PIB de cada país; segundo, um pagamento diferido no tempo, por exemplo por cinquenta anos a juro próximo de zero (o que significaria para Portugal não pagar mais do que o equivalente a 0,2% do PIB por ano); terceiro, a operação teria que ser realizada sem imposições que diminuam a capacidade soberana de cada estado para definir o seu próprio programa de reconstrução. Não é necessário abundar em explicações sobre estas condições. Se estiverem amarrados a um programa de austeridade, o remédio agrava a doença. Se pesarem significativamente nas contas públicas, provocam uma crise de dívida soberana. Se não forem suficientes para as necessidades de reconstrução, os países do sul ficam nas mãos da especulação financeira. É mesmo tudo, ou não vale nada.
A segunda solução é a dos empréstimos. Está disponível para isso uma parte do fundo de estabilização, mas este, no total, só alcança 3,5% do PIB da zona euro e nem todo é mobilizável. Para dourar a proposta, pode ser que esse montante seja aumentado em manobra de 25ª hora. Mas seria sempre um empréstimo com a obrigação de um memorando de medidas restritivas e com acesso limitado (por exemplo, com a definição atual, a Itália não pode ser financiada). Mesmo admitindo que, com a discricionaridade que o Conselho usa por vezes, fosse possível mudar algumas destas normas, seria sempre a solução do norte contra o sul, com um custo financeiro elevado e com um custo político perigoso. Para Portugal, seria estritamente inaceitável. Espero aliás que o governo português, depois de exigir uma solução razoável, não acate uma saída de sendeiro. É a tal decisão mais difícil desde a fundação da União Europeia, saber se é uma união ou não.
Além destas duas soluções contraditórias, há quem aponte uma terceira via, uma mudança do Tratado para impor que o BCE compre diretamente as emissões de dívida soberana, pelo menos durante o tempo da recuperação. Apoio essa medida e de há muito que penso que revogar esse Tratado seria uma medida de salubridade pública. Mas, entendamo-nos: esse caminho exige uma proposta aprovada por unanimidade no Conselho (o mesmo é necessário para os coronabonds, mas trata-se de uma medida de emergência e não da reconfiguração da base jurídica da UE) e que, além disso, teria que ser depois submetida a ratificação parlamentar, um processo que pode demorar entre um e dois anos. Para os próximos meses, não dá. Assim, só há duas opções dentro do euro: ou coronabonds com uma dimensão potente para uma recuperação sem austeridade, ou empréstimos para imporem austeridade. E, se o caminho escolhido for punir as economias de alguns países europeus e aproveitar uma doença para agravar a desigualdade, fica somente a outra alternativa, a saída do euro.
Artigo publicado em expresso.pt a 31 de março de 2020
Add new comment