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Os Liberais acordaram intervencionistas
O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa garantia, após reunião com o Infarmed, que “estamos todos juntos”. (Estamos?). O sentimento de união é grande, nestes tempos. A população entreajuda-se. O casal mais recente do prédio traz as compras ao vizinho, o filho fica em casa para proteger o pai e o avô e a hora de deitar passou para depois das salvas de palmas em agradecimento aos médicos. É a fotografia de um povo unido contra a Pandemia, em que a única coisa que deseja é a saúde e a vida. Assumiram a intervenção do Estado nesta crise como um objetivo comunitário. Na Política, também se vive uma aparente conversão dos liberais ao Intervencionismo do Estado na Economia.
Os campeões do mercado livre passaram, em menos de uma semana, a intervencionistas do Estado. A fotografia é idêntica à da crise de 2008. As oposições de Direita acusam agora os Governos de não atuar com mais rapidez e até importam alguns exemplos de medidas, tais como: nacionalizações, controlo dos preços dos bens essenciais, requisição civil de privados para os obrigar a participar na emergência social que vivemos. O Ministro da Saúde Irlandês vai nacionalizar os Hospitais Privados. Em França, estudam-se medidas para nacionalizar empresas estratégicas. Um pouco por toda a Europa, acionou-se a requisição civil de serviços privados de saúde. Colocaram-se empresas a produzir consoante as necessidades da população no combate ao surto de covid-19. Algumas destas economias, tantas vezes enunciadas como exemplo pelos liberais, parecem tornar-se um verdadeiro pesadelo para o dogma da iniciativa privada.
Para os mais distraídos, parece existir um consenso sobre o papel do Estado, agora. Mas querem o Estado a garantir exatamente o quê?
Após a quarentena, vem aí a receita da austeridade – os mesmos de sempre a pagar a crise. E, nessa altura, quando nos propuserem a receita, lembrem-se que há cadeias de supermercados e vender 200ml de álcool por 23€, Hospitais privados que recusam tratar doentes com covid-19, patrões que aproveitaram o momento para despedir em massa, laboratórios privados e especular sobre os custos de testes.
A título de exemplo, olhemos para o caso do Hospital SAMS (Lisboa). Enquanto o SNS e os seus profissionais exploravam todas as soluções para dar resposta aos doentes, esta unidade de saúde privada fechava portas e despedia pessoas, dias depois de ter sabido que contava com profissionais infetados sem os proteger. Ou o caso de várias urgências da CUF, que encerraram para não receber doentes com covid-19. Hospital dos Lusíadas cobrou 476 euros a um paciente. por material de proteção. Estão todos, ao mesmo tempo, durante o pico da pandemia em Portugal, a pedir ao Estado pagamento de dívidas. Sem esquecer a UNILABS que, num gole de marketing, avançou com centros de teste ao covid-19 e agora está a cobrar 100€ por teste ao Estado. Não perderei muito tempo com a anedota da Padaria Portuguesa, que alega não ter liquidez para pagar dois meses de salários mas prevê uma receita de 65 milhões de euros entre 2020 e 2022.
Todos os privados querem, agora, que o Estado pague os salários dos seus trabalhadores, injete dinheiro diretamente nas empresas sem contrapartidas e sirva como alavanca para a economia continuar a funcionar. Pires de Lima, ex-Ministro da Economia do Governo de Passos Coelho, veio até defender que as empresas recebessem dinheiro do Estado sem qualquer tipo de contrapartida, sugerindo que pudessem despedir e, ao mesmo tempo, ser premiadas pelo Governo por tal feito. Outros já defendem menos dias de férias e autorização para os patrões gerirem as interrupções dos seus empregados.
A História repete-se. Primeiro como tragédia, depois como farsa. Para evitar outro desastre, aprendamos com a crise de 2008, onde os neoliberais da praça também pediram a intervenção divina do Estado na economia. Ainda hoje estamos a pagar a fatura dessa política. A banca privada, que foi resgatada com dinheiro de todos os contribuintes para pagar os seus desvarios, está a cobrar taxas de juro nos empréstimos com financiamento que recebeu do Banco Central Europeu a juros negativos. O negócio não para, mesmo quando a emergência é de cariz sanitário e público.
Nesta altura, não vai ser só necessário ter o Estado a “pagar”, como parecem todos os agentes políticos defender. É preciso decidir onde e como. São os trabalhadores, os precários, quem vive do seu salário que mais precisa. O banco de Portugal estima que o desemprego atinja os 10% já este ano. Queremos mesmo derreter os nossos recursos em empresas que apresentam milhões de lucros por ano? E estamos dispostos a dar um presente à banca, admitindo o circo já montado em torno das taxas de juro? Não será mais lógico apoiar as pequenas empresas, salvar o emprego, reforçar o investimento nos serviços públicos – com o SNS à cabeça, criando robustez numa economia menos dependente da iniciativa privada e mais alicerçada numa visão coletiva das necessidades reais da nossa população? É preciso o Estado intervir eu arriscaria apontar-lhe um plano: Redistribuição da Riqueza.
Artigo publicado em Comunidade Cultura e Arte a 28 de março de 2020
Comments
Excelente texto! É
Excelente texto! É absolutamente necessário iniciar esta discussão na opinião pública. Não só para que seja possível começar a direccionar de modo mais criterioso os recursos do Estado (que aparentemente agora são inesgotáveis para os "liberais", veja-se o chico-espertismo da IL...), mas também para condicionar o modo de resolução da crise sócio-económica que se está a iniciar. Um excelente texto recente, que elucida de modo claro o que está e vai estar em jogo é este: "Our economic system is on life support. But who are we really saving?" publicado pela openDemocracy. A conclusão é simples: mais do que nunca o dinheiro está a fluir de baixo para cima, sendo portanto urgente a instauração dum imposto sobre a riqueza que permita inverter a crescente desigualdade.
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