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O vírus que virou o mundo!

O que é exigido de nós? Saber viver com a realidade, manter a sanidade mental e a frieza racional. Responsabilidade individual em nome de uma segurança coletiva, com solidariedade e interajuda para que ninguém fique para trás.

Mobilizados para uma clausura indeterminada, encharcados de reportagens televisivas à cata do caso mor de voyeurismo mórbido, atormentados com a credibilização das curas e desgraças das redes sociais, agarrados ao pavor da ameaça invisível e extremamente vulneráveis ao imprevisível.

Submersos na incerteza do que isto possa ser com a certeza de que isto é grave, na inquietação do que fazer com a preocupação do que pode provocar o que possa ser feito, na angústia crescente do cerco a apertar com os números a aumentarem e o foco a aproximar, sem que alguém nos faça acreditar que vai parar.

Atolados num turbilhão de dúvidas e receios, passamos os dias como se não contassem para o calendário da vivência do tempo, ou como se o tempo tivesse parado para dar lugar a um mundo virado do avesso com novos desassossegos e outros anseios.

O café da cavaqueira, o retemperador restaurante, a rua do encontro, tudo fechou - o contacto social está suspenso. A escola, a empresa, o serviço transmutou para o computador - o contacto profissional está interditado. A viagem, o espetáculo, a visita está desmarcada - o gosto e o gozo entraram de quarentena. O quotidiano transverteu-se, os comportamentos transfiguraram-se, as rotinas desrotinizaram-se, tudo de forma abrupta sem assimilação de processos nem adequação de meios.

A vida gira à volta do vírus e este absorve a vida. É tema de conversa e de controvérsia, assola o adormecer e o acordar, dita e desdita ao ritmo da expetativa e do desalento. É omnipresente, tolhe-nos os movimentos e instala-se nos instantes do pensamento. Fechados em casa, em muitos casos solitários entre exíguas paredes, tentamos escapar ao tormento mental de esperar que passe o caos saindo ilesos, apartando o pavor com pinças de continuados cuidados.

O que é exigido de nós? Saber viver com a realidade, manter a sanidade mental e a frieza racional que permita ter atitudes assertivas e comportamentos ajustados. Responsabilidade individual em nome de uma segurança coletiva, com solidariedade e interajuda para que ninguém fique para trás. Este é um tempo de marca indelével nas nossas vidas e que figurará na história da humanidade, estejamos à altura de o saber viver.

O que se exige dos políticos e do poder de decisão? Serenar os alarmismos, ajuizar os laxismos, aplicar medidas de emergência com resposta imediata. É preciso agir e não limitar a reagir. Agir por intervenção, agir por prevenção, agir com eficiente aplicação no momento e com visão estrutural de futuro.

Nacionalizando o problema com a consciência europeia e mundial da questão, no nosso país ter-se-á que fazer um investimento sem precedentes em todo o SNS, reivindicação premente de alguns anos. Já agora, chamar a encargos o setor privado tão atreito ao negócio amparado pelo Estado e que perante esta calamidade “nem tchu nem mu!”

Criar mecanismos de contingência que protejam a vida e contenham a disseminação da imprecação. Tomar resoluções que protejam o emprego, os rendimentos e que resguardem os mais vulneráveis que são sempre os mais afetados. Temos de estar juntos e, por isso, saber olhar à nossa volta para que ninguém fica de fora.

É evidente que tudo isto sem por em causa direitos, liberdades e garantias que muito custaram a conquistar. O estado de emergência não suspende a democracia.

Esta é uma crise singular com o impulsor perfeitamente identificado, mas para o qual não temos meios de eliminação. O vírus transpõe fronteiras, contamina indiscriminadamente, instala a pandemia avassaladora. E o mundo globalmente interconectado, altamente produtivo e sofisticado, está a sua mercê e em pânico.

De todo este abalo cujas vagas ainda não passaram da borda, muito do que se possa dizer, para além de prematuro, pode cair em infortúnio de opinião. No entanto, algumas ilações devemos, desde já, congeminar e colocar na agenda da reflexão política e social.

Não podemos perder esta oportunidade para repensar e transitar o paradigma de desenvolvimento, fazendo com que este assente numa forma mais realista de criar e preservar um mundo mais simbiótico e colaborativo, mais partilhado e equitativo, mais natural e sustentável.

Perversamente, mas serve de indicador, o meio ambiente é dos poucos beneficiários deste desastre porque o mundo imobilizou.

Por outro lado, assistimos a uma onda de solidariedade entre pessoas e povos, de reconhecimento e valorização de serviços e profissões – veja-se a gratidão da população portuguesa ao extraordinário trabalho dos profissionais do SNS –, de convivência e fraternidade familiar confinadas aos espaços de permanente contacto, de civismo, tolerância e companheirismo entre vizinhos e conhecidos que por paradoxo que possa parecer o afastamento social aproximou a afeição. É uma espécie de súbito sentimento que todos estamos do mesmo lado e contra o mesmo.

Não podemos perder esta oportunidade, para que com democracia e solidariedade possamos construir um mundo de culturas identitárias mas modernas, singulares mas plurais, resilientes mas moldáveis, capazes de responderem às mudanças e às novidades e que sirvam com igualdade a humanidade e preservem com dignidade a vida.

“Devemos às próximas gerações a construção de um futuro melhor”.

Artigo publicado no Jornal de Barcelos

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda
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