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Que impacto da pandemia no mercado imobiliário?

O setor imobiliário já deu conta do problema que está a enfrentar nas últimas semanas. Já ninguém está a ir ver casas para comprar, os grandes investidores desapareceram (há notícias de perdas internacionais entre os 60% e os 90%), até há dificuldade em manter as escrituras que estavam marcadas, “não está a acontecer rigorosamente nada” diz o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). A Associação de Proprietários está com tanto medo que já pediu ao governo que requisite hotéis para alojar as famílias que não consigam pagar a renda.
Os profissionais do Alojamento Local estão em pânico. As reservas que tinham foram canceladas e não há previsão para voltarem. Nos próximos meses não terão clientes, mas terão os custos do investimento que fizeram. Aliás, toda a indústria do turismo e da restauração está parada e já começaram os despedimentos selvagens, principalmente dos trabalhadores precários (ver aqui).
Ainda há duas semanas este cenário era impossível. Vendiam-se 500 casas por dia em Portugal, o preço médio do metro quadrado em Lisboa era de 3.205 euros, duas vezes mais do que no Porto e três vezes mais do que no resto do país. O mercado de arrendamento era ainda pior, com um T2 em Lisboa a custar 900 euros por mês e com pessoas a depositarem seis meses de sinal para poderem ficar nas casas.
Os preços das casas e os valores das rendas eram especulativos, os grandes negócios imobiliários estavam a fazer milhões e os cidadãos comuns enfrentavam uma crise sem precedentes. O sobreaquecimento do mercado imobiliário era fruto de decisões políticas erradas: Lei do Arrendamento do CDS, Vistos Gold, alojamento local desregulado, venda de património público a preços especulativos, falta de casas para arrendamento público.
Sem querer fazer futurologia, há coisas que já podemos antever. Se o investimento estrangeiro, incluindo vistos gold, parou então os preços especulativos vão descer. As avaliações vão reduzir o valor das casas, até porque as imobiliárias já não vão poder vender casas para o negócio do Alojamento Local. As casas que houver para vender primeiro vão ficar paradas e depois vão começar a reduzir o valor, até porque os únicos possíveis compradores serão as famílias, que também foram afetadas pelo vírus porque já há notícia de uma vaga de despedimentos.
Para além disso, há no país mais de noventa mil casas em alojamento local, vinte mil só em Lisboa, e se estes negócios não conseguirem reservas nos próximos meses vão começar a procurar alternativas. Se tentarem a venda da casa enfrentarão a queda dos preços, mas se optarem por disponibilizar a casa no mercado de arrendamento poderão usufruir dos benefícios que foram criados pelo último orçamento de Estado. Ainda assim, a prazo, o preço das rendas vai cair.
A forma como os bancos se vão comportar ainda é uma incógnita. As quedas nos mercados de capitais podem implicar que o Estado e os contribuintes são obrigados a salvar novamente os bancos e o Banco Central Europeu não poderá baixar muito mais as taxas de juro, que antes da Covid19 já se encontravam a valores negativos.
É vital que o governo garanta que quem tem casa não a perde por causa da pandemia. Por isso, foi muito importante a suspensão da caducidade dos contratos de arrendamento e a moratória aos despejos que foi aprovada pela Assembleia da República por proposta do Bloco de Esquerda e é também importante apoiar as famílias que não consigam manter as prestações aos bancos. Sem isso a crise que aí vem vai ficar ainda pior.
O Covid19 vai criar uma situação totalmente nova que atinge em cheio o mercado imobiliário porque era totalmente especulativo. Neste quadro, há novas responsabilidades para o Estado. As câmaras municipais podem realizar um programa de compra das casas que estavam em alojamento local reforçando o stock de habitação pública. Já o governo tem uma responsabilidade neste momento, deve apoiar as famílias para não perderem a casa e avançar com um programa público de habitação para evitar que a situação de crise habitacional se repita. Só assim se prepara o futuro para o dia depois de amanhã e se garante que as casas são para as pessoas viverem.
Artigo publicado no Jornal Económico, 23 de março de 2020.
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