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Ventura e o fantasma que saiu do armário

O futebol, que deu a Ventura a fama e o proveito, é um dos seus pontos fracos. Ele reage a quente, é capaz de acirrar ódios clubísticos no comentário avulso e até, como se viu nestes dias, nem hesita em lançar o seu preconceito racial contra todos os clubes.

Esbracejando que conhece outros casos, esses sim horríveis, que as minorias estão a colonizar o país, que o primeiro-ministro falou, que o Presidente foi ao Jamaica e não sei que mais sobre indemnizações, Ventura garantiu na TVI que ainda não tem opinião formada sobre o caso de racismo no estádio do Vitória de Guimarães e que, se escreveu no Twitter uma hora depois dos incidentes que não era racismo, o que queria verdadeiramente dizer é que recusa o racismo mas aquilo não pode ter sido racismo, ou talvez, sabe-se lá, aliás não há racismo em Portugal, garante ele, pois nunca viu tal coisa. Portanto, quem condenou o ataque racista a Marega é hipócrita. No meio de um turbilhão avassalador de palavras, para algo haveria de servir o treino dos debates do futebol, não sei o que é mais ingénuo, se a repetição em catadupa do manual de truques do Vox espanhol e da extrema-direita europeia (as minorias mandantes, a maioria silenciosa, o pesadelo que é a falta de segurança em Portugal, os políticos que não respeitam os polícias, eu que sou a voz do povo, sou tão politicamente incorreto, aliás nem gosto da política, que sujeira), se o gosto do risco ao apoiar a atitude de desprezar os jogadores negros, o que os amantes do futebol sabem que é uma estupidez cavalar.

De resto, o tweet de Ventura foi uma precipitação. Ele está demasiado fascinado consigo próprio para perceber os seus limites e acha que a lógica do enfant terrible vai funcionar sempre, pavimentando o seu caminho com a renúncia dos democratas. Como já escrevi, isso pode levar ao erro mais banal, o de se tornar ridículo. Esse texto era tudo, preconceituoso (“o nosso problema não é o racismo, é a hipocrisia”, não aconteceu nada no estádio), racista (“tudo merece lamentavelmente uma chuva de lamentos e de análises histórico-megalómanas”, o tudo sendo a agressão a Marega), pateta (a perseguição a Joacine Moreira é uma obsessão) mas era sobretudo ridículo (“por mim, não passarão”). Até Pinto Coelho, o chefe do PNR, que tentou anos antes de Ventura o mesmo número político mas tinha o defeito de não vir do PSD, teve que aparecer como um dos cordatos da história, a condenar o racismo no estádio.

Acontece que o futebol, que deu a Ventura a fama e o proveito, é um dos seus pontos fracos. Como se demonstrou neste episódio. Ele reage a quente, é capaz de acirrar ódios clubísticos no comentário avulso e até, como se viu nestes dias, nem hesita em lançar o seu preconceito racial contra todos os clubes que, a gosto ou a contragosto, lá tiveram que criticar os cânticos racistas. É tudo atamancado. Ora, o futebol será um dos centros da corrupção em Portugal. E, se há coisas de que Ventura tem que falar a olhar para todos os lados, é de investigações contra a corrupção. Quanto mais ele pensar que faz nome a acarinhar ou a desculpabilizar os cânticos racistas no futebol, mais alguém se lembrará de que esse mundo de negócios é mesmo pequeno. Assim, achando que tinha uma oportunidade de telejornal, Ventura acordou o fantasma que tem no armário. Basta ler a rede social que o apoia para perceber a perplexidade e o receio dos seus seguidores. Acho que lhe podemos agradecer a franqueza.

Artigo publicado em expresso.pt a 18 de fevereiro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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