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Com a pandemia, só faltava a ameaça económica
No inverno de há dois anos, uma epidemia de gripe particularmente violenta afetou 45 milhões de pessoas nos Estados Unidos, provocou 810 mil hospitalizações e deixou 61 mil mortos no país. O novo vírus detetado em Wuhan, na província chinesa de Hubei, pode ser mais contaminante e portanto mais grave, dado que se supõe que 20% dos casos sejam infeções severas e 2% possam ser mortais. Essas percentagens poderão ser menores, caso haja uma subestimação da população afetada, o que se poderá verificar dentro de semanas. Mas tudo indica que se trate de uma pandemia. A maior operação de quarentena da história da humanidade, fechando uma região com 40 milhões de habitantes, poderá por isso ter sido tardia ou insuficiente para evitar algum contágio noutras regiões e países. Há portanto um grave problema novo de saúde pública (há outros mais antigos, como a malária, 219 milhões de casos em 2017, com 435 mil mortos, e a tuberculose, com mais sete milhões de casos diagnosticados em 2018). Mesmo que uma vacina seja possível dentro de poucos meses, os efeitos serão duros e até podem vir a ser duradouros.
Um dos impactos económicos imediatos foi nas Bolsas. Em Xangai, a queda foi de cerca de 8%, a maior desde o susto de 2015. Foi menor noutros mercados mundiais, mas o perigo mantém-se. Não há razão para menos. Os preços de alguns produtos importados pela China estão a cair, antecipando uma menor procura. Várias empresas que estão instaladas na China fecharam provisoriamente as fábricas ou serviços locais (Apple, General Motors, Ikea, Starbucks, Tesla) e as suas ações desvalorizaram-se na Bolsa norte-americana. As suas vendas e os seus lucros vão ser atingidos, resta saber quanto e por quanto tempo. Além desse efeito, para os Estados Unidos o banco Goldman Sachs antecipa uma redução do crescimento em 0,4% neste trimestre pela diminuição das exportações e do turismo. O crescimento do PIB chinês, que terá descido de 6% para 5% no ano que findou (o que reduziu a evolução do PIB mundial de 3,6% em 2018 para 3% em 2019), poderá baixar para 2% neste primeiro trimestre.
Já tinha havido impactos grandes quando de outra epidemia, a do vírus SARS, em 2003. O efeito no PIB mundial terá então sido de 0,2%. Mas a economia chinesa é hoje seis vezes maior, pelo que algumas agências fazem cenários de choques que vão de uns perigosos 1,5% a uns alucinantes 6%, o que seria uma grave recessão mundial. Os números podem ser exagerados, todas estas projeções são feitas com hipóteses muito rudimentares, mas antecipam pelo menos o medo das agências internacionais. Estamos num tempo em que toda a gente teme que alguém acenda um fósforo ao lado do barril de pólvora.
A agravar tudo, temos Donald Trump na Casa Branca. O acordo que foi assinado a 15 de janeiro adiava algumas tarifas punitivas contra as exportações chinesas e comprometia esse país a compras suplementares de 200 mil milhões em produtos e serviços dos EUA. Não parece haver dúvida de que o acordo seja cumprido mesmo em condições de redução da dinâmica da economia chinesa, ou até de recessão. O governo chinês tem recursos e reservas para apoiar as suas empresas em importações dessa grandeza. O que está por saber é se Trump aproveitará este contexto para tentar explorar a insatisfação da população chinesa, de Hong Kong a Wuhan, tentando vulnerabilizar o governo de Xi Jinping e lançando novas iniciativas de guerrilha económica. Disso ainda pouco se sabe, mas o governo chinês tem dado sinais evidentes e até ansiosos, demonstrando temer essa nova viragem nas relações sempre conflituosas entre os dois países. Há quem se lembre da história do escorpião, que dificilmente esquece a sua natureza, como a rã descobriu tarde demais.
Artigo publicado em expresso.pt a 4 de fevereiro de 2020
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