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Não podemos silenciar!

No passado dia 27 de janeiro foi evocado o 75.º aniversário da libertação do campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau, Polónia, pelo Exército Vermelho.

Nesta “fábrica da morte” nazi foram exterminadas cerca de 1.500.000 pessoas (homens, mulheres e crianças), a esmagadora maioria em câmaras de gás, a uma média de 6.000 por dia no auge do Holocausto, em 1944. Uma das marcas do regime extremista hitleriano foi, de facto, a criação de inúmeros campos de concentração na Alemanha, Polónia e outros países da Europa ocupada.

Além de Auschwitz, outros campos significativos onde mais se torturou e matou, entre 1933 e 1945, foram Belzec, Sobibor, Chelmno, Majdanek, Treblinka, Varsóvia, (Polónia), Dachau, Buchenwald, Ravensbruck, Bergen-Belsen, Flossenburg (Alemanha), Mauthausen-Gusen (Áustria), Jasenovac (Croácia), Maly Trostenets (Bielorússia), Lwów (Ucrânia), Klooga (Estónia), Natzweiler-Struthof (França), Riga (Letónia), Trieste (Itália), Theresienstadt (República Checa), Westerbork (Países Baixos) e Vaivara (Estónia). Só de judeus o genocídio atingiu cerca de 6 milhões. Mas também foram assassinados muitos outros milhões, abrangendo ciganos, homossexuais, comunistas, socialistas, sindicalistas, pessoas consideradas deficientes físicas e mentais, polacos, russos, ucranianos e pessoas de outras nacionalidades.

Como foi possível isto acontecer no mundo e na Europa há cerca de 70 anos atrás? Como foi possível a ascensão da extrema-direita e a sua subida ao poder na Alemanha, tal como noutros países europeus? Hitler não esteve sozinho, o nazismo e o fascismo não atuaram sem cumplicidades. Os partidos com esta ideologia e caraterísticas, aproveitando as dificuldades sociais e económicas provocadas pela crise do capitalismo, exploraram e acirraram os descontentamentos e revoltas dos cidadãos perante essas mesmas dificuldades, como o desemprego e a miséria, e erigiram as minorias étnicas, os homossexuais, as pessoas com deficiência, os comunistas e outros opositores políticos como os responsáveis por essa mesma crise.

Desta forma, aliado ao facto dos partidos tradicionais de direita, católicos e mesmo social-democratas que governavam e não terem respondido às necessidades e exigência dos seus cidadãos, de se terem envolvido em esquemas de corrupção, de permitirem o enriquecimento dos seus dirigentes e governantes e por terem enveredado para medidas cada vez mais repressivas contra as manifestações de trabalhadores e outros focos de descontentamento, fez com que tenham perdido apoio de massas, transferindo-se este apoio para a extrema-direita, que era vista como a “salvadora” da situação e que iria solucionar todas as dificuldades que a sociedade atravessava.

Depois sabe-se o que se passou. O nazismo, cujos princípios assentavam no nacionalismo, populismo, racismo, anticomunismo, totalitarismo, corporativismo, partido único, entre outros, juntamente com os vários fascismos que consigo colaboraram (e que assumiam tais princípios), provocou a II Guerra Mundial e o Holocausto, que terão provocado cerca de 60 milhões de mortos, milhões de feridos e uma destruição incalculável, sem precedentes. Os silêncios e os colaboradores também foram muitos, os quais contribuíram para toda essa tragédia incomensurável.

É por termos Memória que não podemos esquecer as lições da História e a própria História em si. Não podemos deixar de relembrar e dar a conhecer, particularmente aos mais jovens, o que teve lugar em Auschwitz e noutros campos de trabalho e da morte, onde a barbárie foi levada ao extremo. Não podemos deixar de relembrar e dar a conhecer o que aconteceu nas longas “noites de pedra” na Alemanha nazi, na Itália fascista, no Portugal salazarista, na Espanha franquista, no regime de Vichy em França, na Polónia de Pilsudski e noutros regimes de caraterísticas fascistas que se estabeleceram no Século XX. Nunca esquecer para que nunca mais se repita.

Claramente há lições a retirar do passado. Com os erros, as derrotas e as tragédias também se aprende e só assim a Humanidade será capaz de evoluir. Assistimos, nos dias de hoje, ao crescimento das forças de extrema-direita pela Europa fora e, em vários países, além de estarem representadas nos Parlamentos nacionais, fazem parte dos respetivos governos. É verdade que os tempos são outros, vivemos na era digital, da robótica e da corrida ao espaço, mas não é menos verdade que milhões de seres humanos vivem com dificuldades e muitas, até extremas. Enquanto a riqueza se concentra cada vez mais num pequeno grupo de indivíduos. O que também se passa na Europa.

Também não deixa de ser uma triste realidade o que se tem passado em muitos países da União Europeia e fora dela. Estes países têm sido governados de costas virados para os cidadãos ocupando o poder partidos de direita, liberais, conservadores e até social-democratas e socialistas. Têm sido impostas políticas autoritárias em que a austeridade tem sido a regra, o conluio e a subserviência ao capital financeiro e especulativo tem sido uma constante, a corrupção tem alastrado como bola de neve, a vigarice dos bancos tem sido paga pelos contribuintes, os trabalhadores e os povos é que têm suportado toda a crise e em que não têm qualquer responsabilidade. Este tem sido o caldo em que tem medrado e desenvolvido as forças populistas de extrema-direita.

Muitas das caraterísticas dos partidos populistas e extremistas do século passado também se encontram nessas forças populistas e extremistas do nosso tempo – a xenofobia, o racismo, o nacionalismo, o anticomunismo, o anti-sindicalismo, entre outros, embora digam que estão com a democracia, que não são racistas e que não defendem a repressão. Mas bem sabemos o que lhes “vai na alma”, pois um dia destes se tiverem condições e força para tal, irão tirar as suas “máscaras de cordeiro” deixando bem visíveis as suas “caras de lobo”. Por enquanto limitam-se a acirrar os ódios contra os imigrantes, os ciganos, os negros, contra a comunidade LGBTI, contra os direitos sociais das mulheres e outros direitos sociais e laborais dos trabalhadores.

No nosso país o CHEGA de André Ventura, claramente um partido de extrema-direita, já não consegue esconder ao que vem. Ou melhor, tenta esconder ao que vem. Defensor de um Estado em que os serviços públicos – como a Saúde e a Educação – devem ser totalmente privatizados, em que a habitação deve ser totalmente privada, em que os sindicatos devem ser banidos (Salazar proibiu os sindicatos livres em 1934), em que os trabalhadores não disponham de quaisquer direitos sociais e laborais, em que o regime deverá ser policial, oculta o seu programa inicial e procura reescrevê-lo. Mas já acabou por ser desmascarado pelo Bloco de Esquerda.

André Ventura foi uma criação do PSD, foi um defensor e um protegido de Passos Coelho (nas eleições autárquicas de 2017 foi cabeça-de-lista pelo PSD à Câmara de Loures) e nos tempos da troika quando o governo do PSD/CDS infligiu ao povo português uma infinidade de “sangue, suor e lágrimas”, apoiou sem reservas todas essas políticas desgraçadas. E agora vem dizer que está do lado dos trabalhadores, dos cidadãos, do povo português?

Como referido atrás, como temos memória, importa aprender com a história e com as suas lições. E nunca podemos silenciar! Antes que seja tarde demais. Tal como disse Martin Luther King “o que me preocupa não é [tanto] o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em História Contemporânea.
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