A luta pela habitação em Lisboa

Na Câmara de Lisboa e na rua, o Bloco continuará a lutar para que sejam aplicados os vários instrumentos que a lei já consagra para garantir o direito à habitação como um pilar do direito à cidade e da dignidade. Por Fábio Salgado e Ana Júlia Filipe.

01 de February 2020 - 21:53
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Em Lisboa e no país, o tema da habitação impôs-se na agenda pública. É o sinal da enorme dificuldade que as famílias enfrentam, tanto na procura de casa, como em garantir a permanência na casa onde vivem.

Vivemos hoje uma das maiores crises de habitação na cidade de Lisboa. Exemplo claro da realidade que se vive um pouco por toda a cidade é a freguesia do centro histórico, Santa Maria Maior. Hoje, esta freguesia apresenta um  declínio absoluto de habitantes  e a pressão turística sente-se de diversas formas: desde a crescente retirada de habitações do mercado de arrendamento de longa duração para formatos de alojamento temporário, provocando aumentos especulativos e abusivos nos valores das rendas; à  sobrelotação nos transportes públicos, nas estradas, nas ruas; ou até ao encarecimento do comércio local, substituído por comércio gourmet, sintomas da profunda gentrificação da cidade. Não menos importantes são os efeitos nefastos sentidos pelos preços praticados no mercado imobiliário, fruto da política dos vistos gold e da desregulação do setor que favorece a atuação dos fundos imobiliários.

Perante esta realidade, o Bloco de Esquerda apresentou-se nas eleições autárquicas tendo como prioridade a resposta a essa crise: focámos o nosso programa e a nossa campanha no direito à cidade e na proposta de políticas públicas que o garantam.
Quando aceitámos um acordo com o Partido Socialista para a Câmara Municipal de Lisboa, estabelecemos como base fundamental para esse acordo, a criação de mais habitação municipal, a disponibilização de 25% do edificado (novo ou reabilitado) para habitação a custos acessíveis, criação de um pilar inteiramente público do programa de renda acessível, a revisão do Regulamento Municipal de Habitação de modo a garantir que o município considere as diferentes variáveis das famílias e aplique uma gestão eficiente e transparente do parque habitacional, a criação de quotas para as unidades hoteleiras, e de quotas para o Alojamento Local (AL) na cidade que garanta a existência de casas e imóveis para habitação permanente. Dois anos de mandato serviram para iniciar esse caminho.

Propusemos e batemo-nos por medidas de contenção no Alojamento Local em toda a cidade. Conseguimos assim que o município fosse mais longe, com especial enfoque nas zonas onde a percentagem deste tipo de serviço é maior – e começamos, finalmente, a ver casas a voltar ao mercado de arrendamento para habitação de longa duração.

Duplicámos a taxa turística, um importante fundo pago diretamente pelo setor turístico, que já permitiu investimentos compensatórios do desgaste que a cidade sofre com a pressão turística.

Denunciámos – e denunciaremos sempre – despejos de famílias que, não tendo alternativa habitacional, pernoitam em casas municipais sem que lhes sejam dadas alternativas habitacionais que garantam o direito fundamental à habitação. Aprovámos um novo Regulamento de Acesso à Habitação que, apesar de não resolver a crise que vivemos, procura ser mais justo e tem em conta variáveis que não eram consideradas, como a existência de cuidadores informais a tempo integral, famílias monoparentais ou ainda constrangimentos de saúde.

Acompanhamos de perto as lutas das moradoras e moradores que resistem pelo seu direito a habitação estável – desde a Rua dos Lagares, ou do Prédio Santos Lima, que continuam em luta, até ao difícil caso da Mariama ou da Sónia, mães, trabalhadoras, que sendo famílias monoparentais são duplamente penalizadas, na medida em que ocupar uma casa é o que garante que uma mãe, numa situação de extrema fragilidade, mantém a guarda dos seus filhos;

Defendemos uma política de habitação centrada na oferta pública – o município tem o dever de manter o seu parque habitacional, de não ter casas fechadas, de intervir no mercado imobiliário garantindo o equilíbrio do território e impedindo situações que agravam as carências habitacionais na cidade e, se necessário, tomar posse administrativa ou comprar os imóveis aplicando os instrumentos estabelecidos na lei. Defendemos a regulação do setor imobiliário, com respeito pela função social da habitação – uma casa é uma casa, não é um qualquer ativo financeiro.

A recente aprovação da 1ª Lei de Bases da habitação estabelece um novo ciclo para a habitação em Portugal, um momento histórico e uma conquista da esquerda. Os primeiros entraves foram ultrapassados, falta fazer-se cumprir a lei. O Bloco de Esquerda, na Câmara de Lisboa e na rua, continuará a lutar para que sejam aplicados os vários instrumentos que a lei já consagra para garantir o direito à habitação como um pilar do direito à cidade e da dignidade.

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