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Desventuras

Temos de insistir em esclarecer o que o André Ventura procura esconder. E ele tem vários esqueletos no armário.

André Ventura afirmou que, depois da notícia do Polígrafo, pediu a Sousa Lara para abdicar da subvenção vitalícia. A vergonha era o Chega defender o fim das subvenções vitalícias e ter no seu porta-voz Sousa Lara um dos beneficiários. Convicção ou oportunismo?

A notícia do Polígrafo é de dia 3 de janeiro e apresenta declarações de Sousa Lara que não deixavam dúvidas quanto ao desfecho: “A minha família foi roubada no 25 de abril. Vivemos numa República gatuna. O único elemento de raiva acionável que tenho é esta pensão”, afirmou o porta-voz que André Ventura escolheu para o Chega. Para Sousa Lara, a indignação com as subvenções vitalícias desaparecia quando lhe chegava o dinheiro à conta bancária. Bem prega frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz. Quando lhes toca no bolso, a convicção dissolve-se no ar.

Mas a narrativa de André Ventura não bate certo. Primeiro, porque é impossível ter sabido que Sousa Lara estava na lista dos políticos com direito a subvenção vitalícia apenas pelo Polígrafo. Eu já o tinha confrontado com essa situação em dezembro passado e ele nada respondeu. A lista das subvenções vitalícias é pública desde 2016, não é possível isso passar-lhe ao lado. A mentira tem perna curta.

Aliás, a minha insistência para obter uma resposta de André Ventura sobre a vergonha da situação de Sousa Lara só teve resposta num vídeo de Nuno Afonso, vice-presidente do Chega. O título do vídeo não deixa dúvidas ao que vai: “Bloco de Hipocrisia.” E aí podemos assistir à defesa que o vice-presidente do Chega faz de Sousa Lara, chamando-me de mentiroso. Essa resposta é de 20 de dezembro, o que mostra, mais uma vez, que era do conhecimento do partido Chega e de André Ventura que Sousa Lara estava na lista das subvenções vitalícias. O que mudou, então, nestas semanas?

Foi a pressão pública que forçou André Ventura a agir, de outra forma viveria bem com a situação vergonhosa do seu porta-voz. Desmascarado em praça pública, ficou sem alternativa à demissão de Sousa Lara. Já percebemos como é possível vencer os populismos.

Por isso, temos de insistir em esclarecer o que o André Ventura procura esconder. E ele tem vários esqueletos no armário. Qual foi a sua participação no esquema partidário que criou um saco azul de financiamento ilegal e que está a ser investigado pela Polícia Judiciária? É o mega-processo de corrupção autárquica Tutti Frutti, em que André Ventura é suspeito da contratação de assessores fantasma para o seu gabinete de vereador na Câmara Municipal de Loures. Não se pode falar contra a corrupção sem esclarecer este passado.

Por outro lado, André Ventura afirmou ter como missão defender o país, mas é tímido quando chega a hora da verdade. Ainda há semanas assistimos, com estupefação, à divulgação pelo Vox – o irmão espanhol do Chega – de um mapa onde anexa Portugal a Espanha. Mas só depois de questionado pela comunicação social é que André Ventura ameaçou cortar relações com o Vox caso não existisse um pedido de desculpas pelo sucedido. Os dias passaram sem qualquer novidade e André Ventura calou perante o desrespeito. É para levar a sério a ameaça ou é apenas mais uma manobra de diversão perante a indignação popular?

Não menos importante, depois de ter passado semanas a reescrever o programa eleitoral e a declaração de princípios do partido para os tornar mais moderados, é esclarecer as ligações a grupos extremistas. A revista Sábado investigou as ligações de dirigentes do Chega a movimentos neonazis e de extrema-direita que não podem passar sem explicação. Mais uma vez, André Ventura nada sabia e vai investigar, dizendo que “não tolerará a presença em órgãos dirigentes de militantes que tenham estado ligados a movimentos extremistas, violentos ou racistas”. Contudo, a notícia da Sábado não deixa dúvidas e a internet não esquece que Luís Graça, presidente da Mesa da Convenção do Chega, foi membro do NOS de Mário Machado. Para quando a decisão de expulsão?

Os casos sucedem-se e as contradições de André Ventura ficam à vista. A exposição pública desmascara a hipocrisia e já apresenta resultados. Em nome da democracia, da transparência, continuaremos a exigir respostas.

Artigo publicado no jornal “Público” a 17 de janeiro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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