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Trump não ameaça só o Irão, mas toda a humanidade

Trump e os falcões dos EUA podem ripostar com outros assassinatos mais ou menos selectivos, mas os últimos a rir poderão ser os fanáticos terroristas do Daesh.
Cartoon de Carlos Vieira

Já não bastava o ano ter começado com a extinção de mil milhões de animais na Austrália, vítimas dos incêndios incontrolados que já provocaram a destruição de mais de mil habitações, dezenas de pessoas desaparecidas, cidades inteiras evacuadas, milhares de pessoas encurraladas nas praias para onde se refugiaram para escapar às chamas, e o primeiro-ministro, negacionista das alterações climáticas, a reconhecer que a situação só poderá piorar e prolongar-se pelos próximos meses. Ainda tinha de vir outro negacionista, que se retirou do Acordo de Paris sobre o Clima, o populista Trump, violar território de um país soberano onde assassinou estrangeiros, incluindo o general Soleimani, a segunda figura mais importante do Irão que, embora ao serviço dos ayatollahs, foi um dos estrategas da luta contra o Daesh/Isis, os terroristas criados pela Arábia Saudita, aliada dos EUA, iniciando um conflito de consequências imprevisíveis, que na pior hipótese poderá levar a uma guerra mundial, dado envolver países com capacidade nuclear, como os EUA, Israel, a Rússia e, provavelmente, o próprio Irão que já anunciou ir abandonar, por fases, o acordo nuclear assinado em 2015 com Obama e que Trump rasgou no ano passado, contrariando a vontade dos aliados europeus.

Face a esta agressão terrorista:

- à margem das leis internacionais, e sem qualquer justificação válida, já que a invasão da embaixada dos EUA em Bagdad foi uma consequência de um ataque aéreo contra milícias pró-iranianas no Iraque, em retaliação pela morte de um mercenário dos EUA, e por aí atrás até ao pecado original (não é preciso recuar até 1988, quando um navio de guerra dos EUA , no Golfo Pérsico, abateu com um míssil um avião da Iranian Air matando os 290 passageiros, incluindo 57 crianças) do bombardeamento de inocentes em cidades como Bagdad e Fallujah com base numa mentira de Bush, avalizada por Blair, Aznar e Barroso, que só veio dar força aos fanáticos terroristas que estiveram na origem do Isis/Daesh e a outras milícias que actuam como “corsários” dos aliados dos EUA, os governos, igualmente terroristas, da Arábia Saúdita, de Israel e da Turquia;

- o parlamento iraquiano aprovou uma resolução exigindo a saída das tropas dos EUA do Iraque, o que já mereceu a concordância do primeiro-ministro. Mas Trump desmente a anunciada (pelo Pentágono) retirada de tropas do Iraque e anuncia o reforço da sua presença. Também nos EUA, em mais de 70 cidades, houve manifestações contra os ataques norte-americanos, e contra Trump que já ameaçou, em caso de retaliação, atacar 52 alvos bem identificados, incluindo locais “muito importantes para o Irão e para a cultura iraniana”, o que constituiria mais um crime de guerra, ao melhor estilo talibã e Daesh, e um crime contra a Humanidade.

A directora-geral da UNESCO (a organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura), naturalmente preocupada com o rico e belíssimo património cultural do Irão, em particular o da antiga civilização persa classificado como Património da Humanidade, já veio chamar a atenção para as convenções internacionais para a protecção de património cultural mesmo em caso de conflitos bélicos, assinadas por ambos os países.

E o governo de Portugal, que tem 34 militares no Iraque, numa coligação liderada pelos EUA, não condenou o atentado ordenado por Trump, limitando-se a condenar o ataque de retaliação do Irão, com mísseis contra duas bases dos EUA no Iraque. No entanto, foi em Lisboa, em Dezembro passado, que o secretário de Estado Mike Pompeo se reuniu com o primeiro-ministro israelita Netanyahu, provavelmente para combinarem este e outros crimes. Mais uma vez, Portugal serviu de mordomo de criminosos. O prémio será comprarmos o petróleo mais caro, em dólares, para financiarmos o esforço dos EUA em manter as 800 bases militares espalhadas pelo mundo.

Portugal continua subserviente da NATO, uma organização condenada pelo Parlamento Europeu pela responsabilidade nos sangrentos atentados bombistas de falsa bandeira da rede “Stay Behind” na Europa, com apoio da CIA, de grupos de extrema-direita e da Máfia, nos anos 60, 70 e 80 do século XX, que incluíram golpes fascistas na Grécia (ditadura dos Coronéis) e em Itália (Rede Gládio, abortado graças à denúncia de um jornalista) . Aliás, foi a CIA que planeou o derrube do primeiro-ministro iraniano, Mossadegh, restaurando a ditadura do xá Reza Pahlavi a quem forneceram um reactor nuclear com capacidade militar.

Trump e os falcões dos EUA podem ripostar com outros assassinatos mais ou menos selectivos, mas os últimos a rir poderão ser os fanáticos terroristas do Daesh. A menos que as heróicas milícias curdas, traídas pelos EUA e a braços com os ataques da Turquia, os voltem a vencer no terreno.

Sobre o/a autor(a)

Ativista associativo na defesa dos Direitos Humanos. Militante do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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