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A surpresa espanhola no Largo do Rato

Na semana em que o novo governo espanhol entrou em funções, a realidade mostra como a política do medo é sempre construída em cima de propaganda.

O resultado foi desastroso: nada de relevante mudou na relação de forças à esquerda, onde partidos perderam representação, e o prémio saiu à extrema direita. O fantasma da crise política catapultou os extremistas do Vox para terceira força política espanhola. O taticismo favoreceu apenas a extrema direita.

Tal como aconteceu em 2015 em Portugal, foi a pressão das urnas que obrigou o PSOE a abrir as portas a um verdadeiro diálogo. Em pouco tempo conseguiu-se o que antes diziam ser impossível e o acordo entre PSOE e Unidas Podemos virou a página da política em Espanha, dando corpo ao governo que agora tomou posse.

Colocando como um dos seus primeiros objetivos a “revogação” da reforma laboral que o governo de direita tinha realizado em 2012, acompanhada da promessa de aumentar o salário mínimo para 1200 euros ao longo da legislatura, a recente “coligação progressista” mostra coragem. O mesmo se passa com a subida de impostos para os mais ricos e para as grandes empresas. Creio que só estas propostas já deviam fazer corar António Costa, que tem negado mexer uma palha na legislação laboral deixada pela troika e rejeitado repor os direitos dos trabalhadores. Afinal, é possível ver um PS a defender esse tipo de medidas, apesar de esconjuradas em território nacional. Qual é o segredo para esta mudança no PSOE? Está à vista de todos, foi o susto eleitoral que tiveram. Por isso o programa de governo tem uma marca forte de esquerda.

No entanto, outra grande mudança a registar no PSOE é a abertura ao diálogo com os diversos nacionalismos. Da Catalunha à Galiza, o que está proposto é a normalização de relações. Será o início de um novo caminho capaz de sanar algumas das feridas profundas que estão abertas? A folha está em branco à espera de ser escrita, mas já se sabe que não haverá orçamentos sem que alguns avanços se consigam.

A resposta das direitas espanholas é um regresso ao nosso passado. Desde as acusações de usurpação de poder à negação dos resultados eleitorais, é o próprio exercício da democracia que colocam em causa. Lembra-se de Portugal depois das eleições de 2015? O guião é parecido. O novo governo é um terramoto político para as direitas que apostaram tudo na sua impossibilidade. No futuro desta solução política joga-se a crise das direitas ou o seu regresso ao poder e por isso a palavra de ordem é destruir, deitar abaixo.

Por último, sobre a participação da Unidas Podemos no governo. Há a eterna questão da relação de forças e se ela garante a sobrevivência do projeto político depois da experiência governamental. Cada qual saberá de si e acredito que essa avaliação terá sido feita. A presença num governo nunca pode ser um fim em si mesmo. Tem de fazer parte de um projeto para o país, resultado de uma dinâmica social que a sustente e acompanhada pela inteligência de nunca ficar refém de nenhuma situação. Que a força esteja convosco.

Artigo publicado no jornal “Público” a 10 de janeiro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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