You are here

Trump, rocket man

A administração de Trump levou até às últimas consequências o método de “assassinatos seletivos” na chamada “guerra ao terror”.

Ninguém podia prever que nos primeiros dias 2020, a partir da sua luxuosa residência de férias na Florida, Trump iria comandar um ataque de drone ao aeroporto internacional de Bagdade para assassinar a segunda figura do Estado do Irão, o general Qasem Soleimani, que se encontrava em visita oficial ao Iraque.

Até ao momento, não existem indícios de que a imprevisibilidade do Presidente norte-americano corresponda a qualquer racionalidade estratégica. É evidente que a sua intenção é desestabilizar a região a favor dos seus aliados – isso explica o apoio ao crescente extremismo do Governo de Israel, o apoio à monarquia sanguinária saudita, o posicionamento errático sobre a Turquia e a escalada bélica com o Irão.

É visível que Trump procura essa tensão desde o início, com a intensificação das sanções económicas, a retórica intimidatória e a decisão de retirar os EUA do acordo nuclear com o Irão. Agora foi mais longe do que alguma vez algum dos seus antecessores ousou. O assassinato de um representante de um Estado, vítima de um ataque por forças militares estrangeiras enquanto se deslocava em funções oficiais, significa, segundo qualquer interpretação da lei internacional, um ato de guerra.

Enquanto candidato, Trump fez campanha contra as guerras intermináveis e demasiado caras em que os EUA estavam envolvidos no Médio Oriente. Enquanto Presidente, Trump tenta provocar uma guerra com uma das potências mais poderosas da região. Enquanto candidato, expressou várias vezes a vontade de retirar as tropas norte-americanas de cenários de conflito longínquos. Enquanto Presidente, ameaça o Iraque com sanções nunca antes vistas se o Governo iraquiano insistir na retirada das tropas estrangeiras do seu próprio país.

Pelo meio, Trump ameaçou explodir 52 locais “de muito alto nível e muito importantes para o Irão e para a cultura iraniana”, enviou “por engano” uma carta ao Governo iraquiano a concordar com a retirada das tropas norte-americanas do país, negou ter enviado essa carta e ignorou olimpicamente o desconforto dos tradicionais aliados europeus e membros da NATO em relação ao assassinato do general iraniano.

A resposta do Irão veio por mísseis dirigidos a bases norte-americanas no Iraque, a que Trump reagiu imediatamente com um “All is well!”. Mais tarde emitiu uma declaração assegurando que não pretendia começar uma guerra, mas iria acirrar as sanções económicas. Ouvindo o Presidente norte-americano, qualquer um poderia acreditar que o mundo ficou na mesma depois do assassinato do general Soleimani. Mas não é bem assim.

Apesar da cretinice daqueles que, para aplaudir Trump, justificam o assassinato alegando que Soleimani não era “flor que se cheire”, não há forma de o qualificar de outra forma que não seja um ato de guerra contrário às leis internacionais. O equivalente seria o assassinato do secretário de Estado norte-americano por militares estrangeiros.

A administração de Trump levou até às últimas consequências o método de “assassinatos seletivos” na chamada “guerra ao terror”. Sempre existiu a possibilidade de um Presidente mandar matar qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, sem mandato de captura, declaração de guerra ou autorização de qualquer instituição nacional ou internacional. Mas estendê-la despudoradamente a detentores de altos cargos políticos de outro país lança o mundo na vertigem de uma guerra sempre iminente.

A outra conclusão óbvia é a de que este ato terá consequências tão imprevisíveis quanto a irracionalidade que o determinou. Até ver, as mais determinantes são a unidade das várias fações iranianas, o reforço do extremismo na região e um novo conflito sobre presença norte-americana no Iraque.

Sem outras luzes sobre os mistérios que comandam as ações do Presidente Donald Trump, é justo que encontremos explicações nas suas próprias palavras quando, dias depois de ordenar o assassinato, teve de voltar a confrontar-se com o impeachment de que é alvo: “Perder tanto tempo neste embuste político, neste momento da nossa história, em que eu estou tão ocupado, é triste”.

Ou, com a campanha eleitoral a aproximar-se, talvez o Donald Trump de 2011 possa viajar ao futuro para dizer ao Presidente Trump de 2020 o mesmo que disse sobre o seu antecessor: “In order to get elected, @BarackObama will start a war with Iran”.

Artigo publicado no jornal “I” a 9 de janeiro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
(...)